O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida (Brasil, 2024)
Título Original: O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida
Direção: Guilherme Martins
Roteiro: Guilherme Martins
Elenco principal: Alex Rocha, Mariana Ser e Bira Nogueira
Distribuição brasileira: Atualmente sem distribuidora oficial
Duração: 72 minutos
O principal concorrente à categoria de melhor título do ano (infelizmente essa premiação não existe) é, de acordo com o diretor, “um filme feito por comunistas para comunistas”. E já em suas primeiras cenas, de um homem bebendo um gole de cachaça e perguntando aos outros quanta cana seria necessário cortar para produzir aquele gole, essa fala em coletiva se faz desnecessária. Estamos claramente diante de um filme que tratará da fetichização da mercadoria e de como as relações de trabalho estão desgastadas.

O grande diferencial do filme foi sua escolha dos caminhos narrativos a seguir. Funcionando em ordem não cronológica, com idas e vindas pelo trabalho, é o protagonista Alex Rocha que consegue dar a harmonia necessária para que o discurso pensado não entre em tela de maneira professoral. Ele tem três momentos de trabalho: cortar cana-de-açúcar na área rural, lavar pratos em um restaurante em São Paulo e vender DVDs brasileiros nos transportes públicos da mesma cidade.Alex é capaz de transitar tranquilamente entre os três, conversando com seus pares em todos os casos, e gerando o conteúdo documental por eles não serem atores. Com sua simpatia e conhecimento prévio, ele consegue provocar algumas reações espontâneas que deixam claro o quanto eles não têm consciência de sua própria posição política. Então, a obra funciona como instrumento político tanto ao ser exibida quanto ao ser produzida.
Ao invés de uma cronologia da migração da área rural para a urbana, há uma linguagem mais experimental que ignora a passagem do tempo para separar as cenas em pequenos blocos temáticos como “Os Boias-Frias”. Alguns desses grupos, como o citado, fazem sentido a quem assiste, como a comparação dos trabalhadores rurais com os da cidade, dado o horário que eles acordam para seus trabalhos. Outros são mais facilmente esquecidos ou incompreendidos.
A tudo isso ainda é adicionado o cinema preto e branco brasileiro, com cenas mostrando algumas perpetuações e outras quebras nos ciclos mostrados em tela. Isso vai gerar um conteúdo mais intelectualizado que dificulta sua compreensão por um grande público como o que é retratado em tela. Esse cinema como instrumento político perde um pouco de seu apelo, ainda que se torne mais complexo para quem o tenta decifrar.
E a própria elitização do cinema brasileiro é um assunto muito abordado, principalmente quando cenas de Alex tentando vender seus DVDs são mostradas. Parece que quanto mais socialmente urgente é o filme, menos interessante ele parece para as massas. Então, sabendo que seu próprio filme estaria ali, sem ser vendido, Martins mostra um humor como quem quer gerar discussões, e não ter a pretensão de mudar toda a sociedade a partir de sua obra.
A obra cumpre a sua proposta sendo ainda agradável a quem a vê. Ainda que intelectualizado, ele sabe como utilizar os momentos mais humanos para acender chamas de contestação. Com humor, ele consegue atrair o público para um assunto que talvez seja abordado de maneira excessivamente séria.
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