Tia Virgínia (Fabio Meira, 2023)
Quando um filme é capaz de dialogar com diversos públicos e deixar todas as pessoas da plateia se questionando se aquela obra foi feita especialmente para ela, este costuma ser um sinal de que a obra conseguiu captar uma parte importante de humanidade que a torna universal. E se eu saí da sessão com essa sensação, a coletiva de imprensa ocorrida também hoje apenas comprovou que diversos públicos puderam se emocionar com a história contada.

Na obra, a protagonista Virgínia (Vera Holtz) é uma mulher que cuida da mãe (Vera Valdez) quase centenária e se prepara para receber as irmãs Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso) para o Natal. E, como em uma boa família brasileira, aos poucos vão se revelando camadas de conflito e humor, principalmente por conta das escolhas e ressentimentos de cada uma das irmãs.
É quase desnecessário ressaltar o quanto o elenco do filme é essencial para o seu funcionamento, se tratando de um drama familiar. Além das três irmãs incríveis em demonstrar suas semelhanças e principalmente diferenças, o elenco de apoio também complexifica a história a partir da criação de personagens complexos ou que causam boas pausas cômicas na narrativa. A própria Vera Valdez é capaz de demonstrar a força mental e fragilidade física sem sequer uma palavra dita. Antônio Pitanga consegue trazer a dificuldade do envelhecimento sem perder a essência. E o elenco jovem de Daniela Fontan e Iuri Saraiva também consegue trazer o ponto alto e baixo da juventude em relação aos mais velhos.
Ainda que fale muito sobre o envelhecimento, Fabio Meira consegue trazer um olhar gentil e dinâmico para suas personagens. De acordo com ele, inspirado na própria família, seu olhar audiovisual mostra as mulheres como fortes, ainda que complexas. Com um excelente conhecimento técnico e um elenco sensacional, ele consegue trazer à tona uma realidade brasileira comum através de uma forma particular e com cada detalhe muito bem pensado.
A locação escolhida e a direção de arte realizadas também ajudam na climatização do espectador, que certamente reconhecerá elementos comuns à sua família, do ferro de passar antigo até as taças de cristal. Mas isso é feito de maneira orgânica, com cada objeto em cena tendo o seu papel a cumprir e não aparecendo em planos mais detalhados apenas para preencher tempo. Junta-se a isso o figurino primoroso que trás a decadência misturada com a vaidade, seja nos brincos da bisavó ou no casaco de pele.
É impressionante como o clima familiar mostrado no filme se reflete na coletiva de imprensa cedida com resultados muito positivos. Com elenco entrosado com a equipe técnica e o diretor sendo elogiado por todos que trabalharam com ele, percebe-se o esmero com que a obra foi esculpida ao longo dos últimos anos. Tanto através do amadurecimento do diretor quanto por encontrar um elenco que estivesse à altura de suas personagens, ele parece tomar uma vida própria que transpassa as barreiras da tela. É um momento muito feliz para o cinema brasileiro em recuperação e para um público que se emocionará com uma história realista de forma quase casual.
Filme sem previsão de data de lançamento no circuito comercial.
Sessão de curtas:
A Última Vez Que Ouvi Deus Chorar (Marco Antônio Pereira, 2023)
Talvez uma das experiências cinematográficas mais diferentes que assisti no festival, o curta se destaca por preferir as sensações à uma lógica mais tradicional de fazer cinema. Misturando o clima do interior de Minas Gerais (mais especificamente, Cordisburgo) do diretor com a temática mais ampla da miséria humana, ele é com certeza um filme que ninguém sai completamente indiferente.
Camaco (Breno Alvarenga, 2023)
Completando a dupla de curtas mineiros, é contada a história de resistência da linguagem criada em Itabira. Mesmo com um recorte bastante específico e do uso apenas de imagens de acervo, as entrevistas utilizadas para criar a linha narrativa mostram um povo que segue com suas tradições apesar de uma tendência brasileira a normatizar toda a sua população, o que é excelente.
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