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51º Festival de Gramado - Dia 14/08: Mais Pesado é o Céu, Memórias da Chuva e sessão de curtas

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Mais Pesado é o Céu (Petrus Cariry, 2023)

Quando o filme coloca a palavra “pesado” em seu título, isso não é feito em vão. Realizado por um dos maiores diretores cearenses, Petrus Cariry, ele é extremamente autoral na medida em que o diretor também assume a direção de fotografia, roteiro e montagem do longa-metragem. E seu pessimismo com relação ao Brasil fica impresso na narrativa de maneira que é difícil de esquecer.



A história contada é bastante alegórica, sobre Antônio (Matheus Nachtergaele) e Teresa (Ana Luiza Rios), um casal improvável que se vê reunido circunstancialmente para cuidar de um bebê colocado em suas vidas por providência do acaso. Com um recorte regional bem específico e que dialoga com o outro longa-metragem da noite, ele se passa na região cearense de Quixadá, e lida com uma situação de extrema vulnerabilidade por conta da pobreza.

Como dito por Nachtergaele tanto na exibição do filme quanto na coletiva de imprensa, um dos elementos-chave do filme é o respeito que o diretor/fotógrafo tem pelo plano e sua capacidade de criar imagens belíssimas a partir de luz, enquadramento e movimento. Percebe-se que todos os acontecimentos do filme têm causa e consequência, e que toda informação passada através do audiovisual é aproveitada como recurso estético ou narrativo, sejam as dobras do cobertor do bebê que lhe dão a aparência de santo ou falas contundentes como a que encerra o filme. Os personagens que são também espécies de tipos nem por isso são genéricos, e há uma felicidade ao ver a atriz trans Danny Barbosa para um papel acolhedor ao invés de estereotipado.

Se os atores comentaram em coletiva a possibilidade de atuar colocando em seus personagens um pouco de suas frustrações com o mundo naquele momento, o filme acaba sendo uma impressão da desesperança no qual a equipe se encontrava. Lento, pausado e cheio de mágoas, aos poucos vai se compreendendo o quanto o filme mostra o Brasil e as necessidades não supridas de seu povo.

AVISO: Daqui para frente, o texto terá grandes spoilers sobre o final do filme, porque seria impossível encerrar o texto sem essa análise.

Mas quando vai ocorrendo essa generalização sobre a situação do povo brasileiro com os arquétipos criados em tela, as soluções que se chega são um tanto preocupantes se as levarmos de maneira menos figurativa. Ainda que o personagem estuprador e assassino seja detestável, negar a sua humanidade e resolver sua existência a partir da mesma violência que ele possui é um encerramento bem complicado, ainda que se compreenda o momento de dor no qual o filme foi realizado. Colocar a oposição apenas ao que é completamente errado como o caminho para que Teresa siga com a sua vida e Antônio siga em frente com suas ações, deixa-se de lado todo o nuance que permite que o país siga vivo e resistindo, mesmo após o desgoverno ocorrido nos últimos quatro anos.

Torna-se difícil enxergar a esperança que diretor e ator afirmam estar expressa no filme. O final aberto deixa a possibilidade de uma vida diferente para Miguel, que poderia não refletir o ciclo de pobreza de seus pais adotivos, mas considerando o tom determinista do resto da obra, é difícil acreditar nessa possibilidade. Há então uma datação da conclusão da obra, levando a um pensamento final sobre o descompasso com as crenças da autora do texto - e possivelmente do resto do público.


Memórias da Chuva (Wolney Oliveira, 2023)

A experiência de Wolney Oliveira como diretor executivo do Cine Ceará, e consequentemente o seu conhecimento sobre a forma cinematográfica, são visíveis em seu documentário Memórias da Chuva. Ele conta sobre o movimento social e político que ocorreu com a população de Jaguaribara quando sua cidade foi inundada para dar lugar ao açude Castanhão, além de trazer uma importante reflexão sobre o ocorrido e suas consequências na vida de milhares de pessoas até hoje.

Ao mesmo tempo em que se percebe o respeito com que o assunto é tratado, com muitos pontos e contrapontos ao acontecido, o viés do diretor de abordar o ocorrido através da memória é o que torna o filme interessante. Além disso, o acesso ao material gravado pela população da antiga cidade e que pode ser utilizado traz uma noção mais ampla do ocorrido. O fato do povo ter registrado toda a sua luta em vídeo é o que permite que não haja o esquecimento completo do que aconteceu, aumentando a importância do longa.

Além de trazer uma quantidade elevada de informações, fatos históricos e entrevistas, o que deixa o espectador bem informado e envolvido com a história, ele também sabe quais são os momentos em que é necessário mostrar drama e conflito. Se torna realmente impossível desgrudar os olhos da tela. E, percebendo os erros de projeto e as possibilidades que foram ignoradas, cria-se o desgosto pela opção realizada.


Sessão de curtas

Sabão Líquido (Fernanda Reis e Gabriel Faccini, 2023)

Em um curta-metragem com estrutura narrativa bem organizada e bastante gaúcha. Para quem não conhece muito bem a região (como eu) e não sabe sobre a questão do trabalho análogo à escravidão e falsificação de sabonete líquido, a trama parece extremamente surreal, sendo um choque descobrir a ponta de realidade. Diretores e ator souberam trabalhar muito bem gestos e tempos, sem tentar colocar excesso de palavras em uma narrativa extremamente solitária.

Jussara (Camila Cordeiro Ribeiro, 2023)

É uma surpresa feliz ver um filme independente de animação realizado por uma equipe majoritariamente feminina. E isso é transmitido no filme, com a técnica de rotoscopia com aquarela sendo delicada e ao mesmo tempo marcante, para falar sobre um dos assuntos mais importantes da humanidade que é a contação de histórias. Escolhas criativas como a de ausência de palavras e uso de imagens universais são muito inteligentes do ponto de produção para facilitar as exibições, mas são compensadas pela caracterização do espaço e personagens que deixam claro ser um filme baiano. Foi uma feliz surpresa em uma noite de tantos assuntos pesados.

1 Comment


Eduarda Ribeiro Rodrigues
Eduarda Ribeiro Rodrigues
Aug 17, 2023

A delicadeza dos detalhes de "Jussara" me surpreendeu muito. Apaixonada pelo trabalho de Camila Ribeiro. 😍

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