Mussum, o Filmis (Silvio Guindane, 2023)
Se ao final de Tia Virgínia a maior parte da sala de cinema parecia em um transe em relação ao que acabara de ver, no final da sessão de Mussum, o Filmis houve um momento geral de emoção. Principalmente entre os nascidos entre os anos 1960 e 1990, a mistura da nostalgia com a obra cinematográfica bem realizada trouxe o público a reviver parte de sua infância e enxergar através do personagem para conhecer Antônio Carlos Bernardes Gomes.

Começando a partir do momento em que a mãe de Mussum, Malvina, é internada, o filme assume uma narrativa de flashback com elipses que dura até quase o seu final. Misturando a história de Antônio Carlos dentro e fora das telas, fala-se tanto sobre seu lado humorista quanto do sambista, trazendo uma grande quantidade de fatos sobre a vida do ídolo infantil. Há a recriação de momentos icônicos, como o que recebe o apelido de Mussum até sua união com os Trapalhões. Tenta-se manter um equilíbrio com a imagem do astro, trazendo fatos positivos e negativos da sua trajetória.
O grande destaque da obra está em suas atuações, que trazem à vida personagens muito carismáticos. Aílton Graça na posição de Mussum consegue convencer todo o público a partir do momento em que fica vesgo de apenas um olho, como o original fazia. Cacau Protásio e Neusa Borges fazendo o papel de Malvina nas duas fases de vida do garoto também criam uma personagem com a qual é muito fácil se identificar, da mãe que sacrifica a vida pelo sucesso dos filhos. Apenas na escalação dos Trapalhões Didi (Gero Camilo), Dedé (Felipe Rocha) e Zacarias (Gustavo Nader) que gera um estranhamento, mas por conta das diferenças de idade projetadas e não por um descompromisso com a realidade.
O longa-metragem cumpre perfeitamente a jornada do herói, com direito a arcos de falha e redenção, e de colocar o amor da família e amigos como parte essencial da vida do humorista. Ele aumenta a visão de um público leigo (como eu) sobre os interesses do artista, mas percebe-se com uma pesquisa rápida que também deixa de lado os fatos mais polêmicos de sua vida, como os muitos filhos fora do casamento.
Percebe-se que é uma obra feita para exaltar Mussum, e não apenas contar a sua história de vida de maneira isenta. Isso ocorre desde a escolha de uma estrutura de flashbacks chegando a um final de redenção até o filtro sépia utilizado como elemento para reviver a nostalgia. E ele funciona muito bem, trazendo uma narrativa simples e funcional, com grande parte do elenco e equipe negras demonstrando o legado que Mussum deixou para as gerações mais novas.
Agradando ao grande público, ele possivelmente será um grande sucesso de público e bilheteria. E, indo de encontro com outras produções realizadas pela Globo Filmes como o documentário sobre a Xuxa e O Auto da Compadecida 2, é uma grande aposta para 2023.
O filme tem estreia prevista para o dia 5 de outubro no circuito comercial.
Anhangabaú (Lufe Bollini, 2023)
Apesar de ser um filme que impacta mais o paulista do que as pessoas de quaisquer outras regiões, Anhangabaú foi o único documentário dentre os selecionados que conseguiu fugir das fórmulas mais tradicionais e explicativas. Assumindo uma estética de câmera como ponto de vista, diversas questões sobre a ocupação de São Paulo são levantadas.
O documentário segue basicamente três ocupações e as suas interseções: a comunidade indígena Guarani Mbya, a ocupação artística do Ouvidor e o Teatro Oficina Uzyna Uzona. Percebe-se que ele segue os acontecimentos por um longo período de tempo, com diversos acontecimentos marcando as mudanças que a própria cidade tem em relação aos ocupantes. É claro que o impacto dos governos de extrema-direita também impactam essas pessoas que buscam uma vivência coletiva.
A escolha de câmera dialoga bastante com a proposta documental, como um observador externo que observa os acontecimentos para então criar seus julgamentos de valor, e não o oposto. Desde as cenas mais doces até as mais complexas são apresentadas, e então o espectador não tem uma visão muito maniqueísta, apesar de haver o recorte da montagem. Se passando por uma montagem invisível, chega-se quase a um transe de imagens belamente captadas, mas que só farão sentido com a reflexão posterior ao que foi assistido. É uma obra que avança em relação às outras, que apenas apresentam uma quantidade de dados e entrevistas.
O filme não tem estreia prevista no circuito comercial.
Luis Fernando Veríssimo (Luzimar Streicher, 2023)
Luis Fernando Veríssimo é um dos poucos casos de autor brasileiro que a maioria das pessoas, mesmo que não sejam leitores ávidos, conhecem pelo menos pelo nome. Cronista de muito sucesso, o documentário aproveita seu acesso enquanto sadio e em vida para aprofundar em sua vida.
Apesar de rico em entrevistas e materiais, o filme segue uma estrutura narrativa bem clássica, contando a sua história em uma ordem cronológica. Além disso, não há muita ousadia em questões técnicas, tornando-se um trabalho regular. Ainda que seja muito interessante do ponto de vista de explorar as particularidades do autor, não há grandes inovações para tratar de um autor que justamente utilizou muito bem as palavras e seu poder de síntese. Há certa decepção ao ver um objeto tão interessante sendo tratado de maneira tão simples e excessivamente verborrágica.
O filme não tem estreia prevista no circuito comercial.
Sessão de Curtas
Mãri Hi - A Árvore do Sonho (Morzaniel Ramari, 2023)
Utilizando um desenho sonoro muito particular, mais do que trazer a denúncia sobre os acontecimentos com os yanomamis nos últimos anos, ele consegue imergir o espectador na cultura e nos sons da floresta de uma maneira inacreditável. É excelente ver um filme sobre povos indígenas sendo realizado por indígenas, ainda mais em um momento em que eles estão sendo exterminados e precisam de visibilidade.
Cama Vazia (Fábio Rogério e Jean-Claude Bernardet, 2023)
A prova de que, quando se tem uma boa ideia e um bom texto, não são necessários muitos artifícios para fazer um bom filme. Com uma montagem bem realizada e uso de fotografias Polaroid, é a análise certeira de Bernardet que consegue direcionar uma narrativa triste, mas necessária.
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