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A vingança feminina volta britânica e em chamas

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Aviso: Esse filme apresenta gatilhos de estupro e feminicídio. Para que todo mundo fique bem, se você for sensível aos temas, talvez seja melhor parar de ler por aqui (e não esqueça que não está sozinho, e se necessário, busque ajuda profissional).

Antes de começar a crítica sobre o filme, que tentarei manter sem spoilers dado que ainda não houve estreia no Brasil, falar sobre a diretora Emerald Fennell significa falar sobre um foguete que já está começando a decolar. Atriz em uma das séries mais premiadas dos últimos anos, The Crown, dirigiu seu primeiro curta-metragem com a também premiadíssima Phoebe Waller-Bridge (Fleabag), que acabou lhe rendendo também a indicação a roteirista da série Killing Eve. E desde então, pausou a sua vida como autora de livros para escrever a série, pela qual também foi nomeada a prêmios, e recentemente escreveu e dirigiu Bela Vingança, filme que conta com produção executiva de Margot Robbie.

O filme é impressionante em diversos níveis. É uma boa história que conseguiu ser visualmente muito bem contada, e que tanto foi lançada no tempo correto, dados os escândalos de assédio que foram trazidos à tona nos últimos anos em Hollywood, quanto tem as doses corretas de mistério e humor para fazer o espectador ficar grudado na tela. É uma consagração de todos os trabalhos anteriores da diretora, algo que beira o inacreditável para seus 35 anos.

Um dos primeiros pontos de destaque é o roteiro do longa-metragem, que tem um equilíbrio muito tênue entre gêneros e traz anseio pela próxima cena. Há momentos de humor intercalados a momentos de puro pavor existencial, e ainda junto a esses há cenas que poderiam ter sido retiradas da comédia romântica mais doce, de modo que realmente não se sabe o que esperar do próximo take. O ritmo no qual as informações sobre o passado e sobre que seria a vingança planejada são dadas ao espectador também é bem calculado, evitando-se momentos exageradamente expositivos, algo que facilmente poderia ocorrer. O longa traz uma discussão sobre assédio, consentimento e desigualdade de gênero perfeitamente colocada, mas pouco panfletária e mais mostrada do que explicada. Sem dar muitos spoilers, o final é surpreendente, algo que não via em grandes produções há algum tempo.

O que valoriza mais o filme são as atuações, principalmente de Carey Mulligan, que consegue trazer toda a gama de emoções que a personagem Cassie exige, do sorriso mais poderoso ao realizar uma de suas vinganças até o máximo de sua fragilidade. Apesar de muitas vezes ela apresentar até certa crueldade, torna-se impossível não torcer pela sua vitória contra o mundo, e isso acontece porque a personagem foi muito bem construída. Ela tem muito claras para si quais são as regras de justiça que deveriam funcionar no mundo, então decide mostrar para quem comete as injustiças como funciona o lado das vítimas. A partir dessa regra simples, todas as suas ações se desenvolvem, e quando entendemos exatamente o que aconteceu e como ela está aplicando essa regra, é difícil não se aproximar da personagem.

Somados a tudo isso, existe uma junção entre fotografia, trilha sonora e direção de arte que mistura elementos da cultura pop que tornam o filme extremamente marcante. Das versões estilizadas de Toxic e It’s Raining Men até o uso de luzes coloridas e neon na fotografia, é impossível não ficar com alguma imagem do filme na cabeça. Como fã de boas direções de arte, é necessário ressaltar como ela se integra bem a todas as outras facetas da produção, das unhas de Cassie, pintadas uma de cada cor em uma negativa de seu crescimento e superação do trauma, à estranheza da sua presença na casa dos pais. Além disso, toda a sua preocupação com roupas e maquiagem pensadas para a “vítima ideal” escancaram a hipocrisia social e o quanto existem de “caras legais” prontos a “ajudar” uma mulher bonita e extremamente bêbada.

Aqui, peço que leia apenas quem já assistiu ao filme ou não tem problema com spoilers. É impossível que eu escreva essa crítica e não colocar um pouco da minha história pessoal no assunto. Enquanto fazia minha graduação, ajudei a fundar o coletivo feminista da minha faculdade, e os caso de assédios vindos de professores e estupros ou violências sexuais durante festas sempre ocorreram, mas a reitoria nunca nos deixou levá-los em frente. No caso semelhante que acredito ser o mais famoso do Brasil, Daniel Tarciso da Silva Cardoso foi absolvido, conseguiu se formar e obteve seu registro de médico[1], mesmo após mais de seis acusações de estupro. Tratar esse filme como uma obra 100% ficcional é, infelizmente, fantasioso. Se você passar por qualquer violência sexual, por favor, denuncie seu agressor e saiba que você não está sozinha.



[1] https://agencia-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/465368165/ex-aluno-da-usp-acusado-de-estupro-obtem-registro-de-medico-em-pernambuco

1 comentário

1件のコメント


janaina10nascimento10
2021年3月21日

Belo texto! Esse filme é muito rico e relevante.

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