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Aos Nossos Filhos (Maria de Medeiros, 2019)

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

A estreia de filmes nacionais que trazem a pauta LGBTQIA+ às telas gera grande alegria às pessoas que se sentem representadas pelo que é apresentado. Não seria diferente com Aos Nossos Filhos, adaptado da peça teatral autobiográfica de Laura Castro e que teve sua pré-estreia em 2019, no Festival do Rio. Dois anos depois ele finalmente pode ter seu lançamento nos cinemas, e apesar do clima político bastante diferente após a pandemia e com a aproximação das eleições, ainda trás uma importante reflexão sobre a necessidade de empatia entre as diferentes pautas da esquerda brasileira.


No filme é apresentado o embate geracional entre Vera (Marieta Severo), mulher presa durante a ditadura brasileira e que trabalha em uma ONG focada na adoção de crianças soropositivas, e sua filha Tânia (Laura Castro), lésbica em uma relação estável e que está passando com sua esposa Vanessa (Marta Nóbrega) pelo processo de reprodução assistida. Ele é dirigido por Maria de Medeiros, que originalmente atuou na peça como Tânia e sugeriu à autora a adaptação para o cinema. É ainda necessário fazer a conexão com a música homônima de Ivan Lins, escrita durante a ditadura brasileira, que narra uma carta de um parente aos seus filhos explicitando as dificuldades do período.


Dentro do universo dessas três personagens, há um aprofundamento nas intersecções das pautas de esquerda e as dificuldades que pessoas extremamente envolvidas em um assunto podem ter em relação a pautas diferentes das suas. Através da difícil relação entre mãe e filha, há um embate entre a homofobia da mãe e os preconceitos da filha em relação ao trabalho da mãe. A dificuldade de diálogo e da empatia entre ambas é amargurante, e deixa o espectador extremamente envolvido com a trama principal - ainda mais dadas as excelentes atuações das protagonistas. Ao mesmo tempo, a trama de Vera lidando com os traumas do passado e perigos do presente é posta de maneira elegante e surpreendente, assim como a narrativa paralela entre esposas e as dificuldades do processo de reprodução assistida com a perda da noção do indivíduo perante a gravidez.


A dificuldade da trama é ao trazer pequenos arcos, que perdem muito do seu sentido dada a profundidade do eixo central. Há cenas particulares que trazem pontos importantes, como com o casal de amigos e sua tentativa de adoção, gerando reflexões sobre racismo e a amizade como rede de apoio aos LGBTQIA +. Há outras, como as que envolvem Fernando, pai de Tânia vivido pelo talentoso José de Abreu, que acabam aparecendo como contraposição à relação entre mãe e filha, sem nenhuma profundidade no personagem. Antônio Pitanga, que também aparece como grande nome do elenco, possui um papel secundário e sem destaque.


As músicas são bem exploradas no filme, sendo utilizadas com parcimônia e gerando um efeito emocional forte, assim como a direção de fotografia e arte eficientes e focadas no realismo. A mudança e radicalização da política brasileira, por outro lado, o tornam um retrato nostálgico de dias melhores, com a possibilidade de mais pautas do que atualmente. Em um país que volta a fazer apologias à ditadura como “tempos melhores” e com aumentos nos crimes violentos contra pessoas LGBTQIA+, discutir agora tais diferenças parece menos adequado do que quando o filme foi realizado, em 2018.

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