top of page

Contatado (Marité Ugas, 2020)

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

A maioria das pessoas que já planejou uma viagem para o Peru ou pesquisou sobre a história do vizinho brasileiro, se deparou com a profunda ligação que o país tem com alienígenas. De rotas para avistamento de O.V.N.I.s até a crença de que Machu Picchu teria sido construída por raças extraterrestres (o que é inclusive bastante preconceituoso, dada a noção de que apenas povos europeus eram capazes de construir maravilhas), claramente há uma exploração desse estereótipo pelo setor turístico na vida real. Então, na ficção, isso não poderia ser diferente, e o modo que a diretora Marité Ugas replica isso é bastante pertinente.


Ao invés de aproveitar as histórias locais para fazer um grande filme de ficção científica que ajudasse a propagar essa noção de incapacidade do Império Inca, ela aborda uma perspectiva individual de alguém altamente envolvido com a situação. Aldo é um senhor com uma vida aparentemente comum, tratando de problemas mundanos como cobrar o aluguel dos inquilinos e curtir o seu momento surfando. Quando o filme adentra na sua história como ex-líder de um culto voltado aos extraterrestres, ele o faz pela perspectiva de um jovem empolgado que deseja que ele retome seu papel de líder. Assim, através da trama que se esconde em um esoterismo regional, encontra-se um forte drama sobre relações humanas.


Consegue-se um equilíbrio entre aproveitar a situação específica e local e gerar um efeito mais global. Nesse sentido, se destacam as escolhas da direção junto à direção de fotografia para escolha de locações e enquadramentos. Opções como o uso da imagem na vertical, simulando o celular, e de mostrar objetos como a estátua de alienígena colocada no local onde antigamente eram realizados os rituais, fazem com que se compreenda muito da cultura local e o espectador se permita entrar no clima do filme, como se fosse em uma viagem turística. Até a criação das cenas nas quais Aldo explica sobre linhas energéticas da Terra e sua relação com a localização peruana e as pirâmides são bem aproveitadas, permitindo explicações não muito fáceis serem realizadas de maneira menos expositiva.


A química entre os atores Baldomero Cárceres e Miguel Dávalos, que interpretam Aldo e o rapaz que está em busca dele, também é elementar para que o filme funcione. O jogo entre o aluno que busca uma verdade que não é alcançável a si e o professor que não deseja mais aquela vida, mas lida com seu próprio ego ao perceber seu efeito na trajetória de pessoas, faz com que o dilema do personagem principal seja compreensível, ainda que ele não esteja presente no dia a dia de um espectador comum. O final, colocado como uma síntese crítica do dilema apresentado, ainda gera um sentimento de desolação e desesperança.


Criando um filme sobre alienígenas que não mostra alienígenas, sobre relações humanas mostrando humanos em situação quase sem rumo, e sobre uma relação global através de um exemplo muito específico e local, gera-se um filme que consegue cumprir seus objetivos de crítica social. Apesar de não ser o caminho mais utilizado por cineastas, são as escolhas da diretora, que está apenas em seu terceiro longa-metragem, que criam esse efeito.

0 comentário

Comments


Formulário de inscrição

Obrigado(a)

11985956035

©2021 por No Sofá Com Gatos. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page