Telepathic Letters (Portugal, 2024)
Título Original: Cartas Telepáticas
Direção: Edgar Pêra
Roteiro: Edgar Pêra
Elenco principal: Keith Esher Davis, Victória Guerra, Iris Cayatte, Bárbara Lagido
Duração: 70 minutos
Como fã de ficção científica e entusiasta da tecnologia, é simplesmente empolgante saber que existe um filme feito principalmente com inteligência artificial e que faz uma ligação entre Fernando Pessoa e H.P. Lovecraft. Isso poderia ser um convite para uma nova experiência cinematográfica ou para o caos absoluto em 70 minutos, mas felizmente a maestria artística de Edgar Pêra consegue conduzir uma obra reflexiva e otimista quanto à integração tecnológica na arte.

Em uma entrevista muito consciente sobre sua posição vanguardista para a The Hollywood Reporter, Pêra mostra a empolgação em poder criar uma ligação artificial entre os dois autores que já conectava mentalmente. Pensando no roteiro e nas partes que seriam gravadas com atores, bastava o que ele chama de “domar a tecnologia” (tradução livre) para gerar as imagens que misturam os dois universos e que são utilizadas tão bem no longa-metragem. É perceptível que este é o trabalho de um grande fã dos dois escritores, e talvez alguém que desconheça completamente os universos cinematográficos não compreenda bem a ideia proposta ao juntá-los telepaticamente.
É necessário uma certa abertura da mente para abraçar a ideia caótica do longa, sendo um tanto difícil assisti-lo se não adentrar um estado de trance contemplativo. Mas a reflexão sobre o status dos dois artistas como criadores do próprio universo e a realidade dessa afirmação quando combinada com todas as possibilidades da tecnologia avançada é brilhante. O mesmo ocorre com a afirmação sobre as personas feita há tanto tempo mas que, como ficção científica, se encaixa perfeitamente na realidade de um mundo com redes sociais.
A experiência audiovisual é levada à vanguarda com o uso de imagens reais misturadas com imagens artificiais, falas reflexivas e uma trilha sonora tão marcante quanto a distorção utilizada na voz dos atores reais. Acredito que este seja um filme que, quando visto na sala escura e com a sonorização adequada, seja ainda mais marcante - o que infelizmente sabemos que será uma realidade para poucos, considerando o filme independente e experimental. A mistura entre imagens em preto e branco e que atravessam tranquilamente o vale da estranheza e os sons distorcidos é bastante potente e gera um grande impacto no espectador.
Em uma grande discussão sobre a mecanização de processos chegando às áreas artísticas, o filme é um contraponto essencial ao conservadorismo generalizado. É possível utilizar os novos processos como ferramentas ao invés de um fim da criatividade. É claro que, para isso, é necessário uma visão fora da caixa capitalística de maximização de lucros - mas como o diretor também coloca em entrevista, esta é, de certa forma, a função da arte.
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