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Crítica | Mostra de SP | Baby

Foto do escritor: Jean WerneckJean Werneck

Baby (Brasil, 2024)


Título Original: Baby

Direção: Marcelo Caetano

Roteiro: Gabriel Domingues e Marcelo Caetano

Elenco principal: João Pedro Mariano, Ricardo Teodoro, Bruna Linzmeyer, Ana Flavia Cavalcanti, Luiz Bertazzo e Marcelo Varzea

Duração: 107 minutos

Distribuição brasileira: Vitrine Filmes


Romance LGBT nacional destaca hostilidade e diversidade do centro paulistano para a comunidade queer


Após dois anos em uma casa de detenção para menores infratores, Wellington (João Pedro Mariano) sai em liberdade e descobre que seus pais o abandonaram e se mudaram para o interior. Desabrigado e deixado à própria sorte, seu caminho cruza com o de Ronaldo (Ricardo Teodoro), um cafetão mais velho e experiente que o acolhe e o inicia no mundo dos programas sob o codinome Baby. A dupla, então, sobrevive às ameaças do centro metropolitano de São Paulo enquanto divide cicatrizes e afetos.


João Pedro Mariano e Ricardo Teodoro se abraçam

O segundo longa-metragem de Marcelo Caetano ousa em dois aspectos: abordar as nuances sombrias da prostituição homossexual e representar o centro da cidade de São Paulo, um dos lugares mais mistos e emblemáticos do Brasil. A coragem do diretor em adentrar contextos sociais tão densos, unidos nessa ambientação paulistana, não se acovarda, mesmo diante de temas sensíveis. No centro, há tráfico de drogas, furtos, violência, uma atmosfera agressiva. Todos tentam sobreviver da maneira que podem, seja dançando no transporte público ou tirando vantagem dos héteros sigilosos nos cinemas pornô de esquina, como o grupo de amigos de Baby faz.


Apesar de encarar as adversidades frontalmente, Baby também oferece certo otimismo, uma espécie de escape esperançoso por meio da relação entre os protagonistas. Ronaldo é um homem surrado pela vida, um pai de família divorciado que recorre a todos os recursos para terminar de criar seu filho, um verdadeiro troglodita fruto de uma geração que propagava a masculinidade tóxica. Essa figura rochosa se choca com uma concha sem rumo, levada pela correnteza da vida. A inocência e imaturidade de Baby o tornam um ponto de cor no concreto cinzento urbano. Essa textura e tom distintos, que fazem com que o mais velho se apaixone por ele, também são as causas de sua vulnerabilidade diante dos outros. Ambos têm rachaduras emocionais, feridas do coração que os aproximam com acolhimento, mas as maneiras distintas de lidar com suas fragilidades também os afastam ao longo do enredo.


O filme, exibido e premiado em diversos festivais ao redor do Brasil e do mundo, concedeu destaque a Ricardo Teodoro, que venceu o prêmio de Ator em Ascensão na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024. Contudo, foi João Pedro Mariano quem chamou minha atenção. Baby foi o primeiro trabalho dele como ator, e ficou perceptível em uma entrevista ao portal 1 Livro, 1 Disco, 1 Filme que ele não só interpretou o protagonista, mas o viveu e sentiu. O personagem-título é o espírito da obra, com seu sorriso radiante e sua insolência juvenil. Sua performance me tocou em um lugar pessoal, e acredito que tocará muitos outros que se sentem despreparados e sozinhos nessa selva de pedra ao confrontar seus perigos. Para além dessa identificação particular, a química entre Wellington e Ronaldo é espontânea e palpável, uma relação honesta e disfuncional que reconhece os tropeços, mas foca na caminhada.


Ademais, a relevância do romance LGBT está também em como expressa a sensação de abandono que permeia a metrópole. O vazio do lar pulsa — no caso do protagonista, representado pela família que fugiu para o interior e seguiu sua vida sem olhar para trás — e o abrigo se torna as tribos culturais que se formam. Nesse sentido, os amigos da comunidade queer, marginalizados por muitos, encontram força na união entre si. A representação dos anseios desses espaços e desses grupos é um mérito do roteiro e da direção, que se guiam pelo cinema independente e se arriscam gravando nas avenidas com uma fotografia realista e diálogos coloquiais e orgânicos.


Por fim, Baby enfrenta a realidade sem sucumbir a ela, propondo nas relações sociais o motivo para o sorriso que interrompe o instinto de sobrevivência ofegante. É emocionante a cena final em que o mais novo ensina o mais velho a dançar em uma laje ornamentada pelo céu cinzento paulistano.


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