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Crítica | Mostra de SP | Memórias de um Caracol

Foto do escritor: Jean WerneckJean Werneck

Memórias de um Caracol (Austrália, 2024)


Título Original: Memoir of a Snail

Direção: Adam Elliot

Roteiro: Adam Elliot

Elenco principal: Eric Bana, Sarah Snook, Kodi Smit-McPhee, Jacki Weaver, Dominique Pinon, Magda Szubanski e Nick Cave

Duração: 94 minutos


Quinze anos após Mary e Max, Adam Elliot sai de sua concha e retorna à técnica stop-motion com seu segundo longa-metragem e a melhor animação do ano. 


A solitária e peculiar Grace Pudel (Sarah Snook) sofre com as cicatrizes de uma infância traumática: sua mãe morreu no parto, seu pai alcoólatra a deixou órfã ainda na infância e ela e seu inseparável irmão gêmeo foram afastados no processo adotivo. Cada vez mais reclusa em sua obsessão por caracóis e compulsões comportamentais soturnas, Grace repensa sua vida depois de se despedir de Pinky, uma corajosa senhora que se tornou sua melhor amiga e mudou a forma como Grace enxerga o mundo e a si mesma. 


família reunida em cena de memórias de um caracol

Em um ano com animações como Robô Selvagem, sucesso de bilheteria da DreamWorks, e Flow, longa francês independente aclamado pela crítica, o nível da categoria já estava alto fora do eixo hegemônico Disney/Pixar - que nesta temporada se apoia em sequências como Divertida Mente 2 e Moana 2. Contudo, a melhor animação de 2024 ainda não foi descoberta pelo público (pelo menos não a maior parte dele). Memórias de um Caracol marca o retorno de Adam Elliot ao cinema desde 2009, quando lançou o primeiro longa-metragem de sua filmografia, Mary and Max. O diretor é conhecido pelo uso da técnica stop-motion - em que se cria a aparência de movimento a partir de tomadas fotografadas continuamente - sem adição de efeitos digitais para seu visual. Assim como em outras de suas obras, em Memórias de um Caracol, Elliot explora o tom tragicômico da narrativa com uma estética gótica e, nesta em específico, nos leva a refletir sobre como encarar as adversidades da existência e superá-las em nosso próprio ritmo. 


Parte da originalidade do filme está na concepção artesanal de Elliot como diretor, roteirista e produtor da obra. Em relação ao estilo técnico escolhido, Memórias de um Caracol se encaixa em um grupo de stop motion densos e autênticos que fogem ao lugar comum aos demais e arriscam uma identidade própria - estas costumam figurar entre as minhas favoritas. Entre elas estão: Minha Vida de Abobrinha (2015), Ilha de Cachorros (2018) e Marcel - A Concha de Sapatos (2021), além de outras. Memórias de um Caracol se agrupa a esses exemplos por formato massificado das animações e alcançar o espectador mais alternativo. Afinal, não é todo mundo que vai se simpatizar com a depressiva jornada de Grace, com as lembranças bizarras que ela narra ou com o tom sombrio que a fotografia tem e são esses aspectos que tornam a experiência única. 


Ademais, as singularidades criativas de Elliot tornam seu humor um tanto quanto cínico para crianças e reconfortante para adultos. Ele aborda questões como morte, fanatismo religioso e solidão sem qualquer pudor. É tudo detalhadamente descrito e filmado exatamente como está sendo narrado. Entretanto, ao invés de sentirmos o abismo tristonho da protagonista - completamente justificado pela vida difícil que teve - gargalhamos constrangidos e surpresos com tanta irreverência. O reprocessamento das espirais de memórias de Grace em sua concha ocorre enquanto ela compartilha isso com o espectador e, de repente, o sofrimento se torna mais leve e cicatriza o trauma da ferida aberta há tanto tempo. Apesar de “caracóis não andarem para trás” como ela nos conta, é a regressão que permite que ela siga em frente e abandone os fantas da orfandade, da distância do seu gêmeo e os relacionamentos amorosos tóxicos pelos quais passou não a atrofiarem mais em seus vícios. 


Memórias de um Caracol é uma obra ao mesmo tempo sombria e acolhedora, que só se sustenta graças ao talento de Adam Elliot. Ele transforma suas próprias dores reprimidas em uma arte profundamente humana e universal, reafirmando a força do stop-motion como um dos recursos mais belos e poéticos do cinema.


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