O Brutalista (EUA, Reino Unido e Hungria, 2024)
Título Original: The Brutalist
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold
Elenco principal: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Stacy Martin, Isaach de Bakolé e Alessandro Nivola
Duração: 215 minutos
Distribuição brasileira: Universal Pictures
Destaque na temporada de premiações, drama épico de Brady Corbet retrata a exploração estrutural do antissemitismo na prometida América livre.

Após deixar para trás as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, o arquiteto judeu László Tóth (Adrien Brody) ambiciona construir um legado para si e sua família na liberdade prometida pelos Estados Unidos e pelo tão sonhado "American Dream". László embarca, então, em uma odisseia brutal de três décadas, marcada por altos e baixos, enquanto tenta ressignificar sua controversa jornada.
Um filme grandioso. Essa é uma das definições que abarcam a dimensão de O Brutalista, uma obra épica de 215 minutos de duração, estruturada pacientemente em dois capítulos e um breve epílogo, filmada em VistaVision — um processo de alta resolução e ampla profundidade de campo que remonta aos clássicos do cinema dos anos 1950. O primor técnico é inquestionável, mas pode ser visto como um exemplo de Oscar bait por parte dos críticos mais céticos. Isso nos leva a outro termo que define o longa: divisivo. Apesar de conquistar prêmios como Melhor Direção para Brady Corbet e Melhor Ator para Adrien Brody no Festival de Veneza 2024 e, mais recentemente, ser celebrado como Melhor Filme no New York Film Critics Circle (NYFCC), o drama histórico da A24 ainda não figura como favorito frente aos fenômenos Wicked e Anora, que encantam a temporada de forma mais homogênea. Desaguamos, então, no terceiro aspecto que define O Brutalista: seja pela qualidade estética, pelas indicações a prêmios ou pela temática histórica, o filme é um fenômeno inevitavelmente marcante.
Em meio a toda essa pompa grandiosa, existe uma linguagem visual rica e uma progressão narrativa complexa. A cena inicial acompanha a chegada de László à América. A perspectiva inverte a imagem da Estátua da Liberdade — um enquadramento tão impactante que posteriormente se tornou o pôster oficial do filme. Essa escolha estética não apenas marca o tom do longa, mas denuncia que o "refúgio" estadunidense prometido aos imigrantes é bem diferente da utopia idealizada. Essa relação abusiva do país com seus imigrantes judeus reflete o antissemitismo que permeia a narrativa. O que poderia ser um plano inofensivo torna-se o epicentro de uma direção sofisticada, que comunica com precisão as intenções do diretor.
A narrativa segue para o eufórico e instável primeiro capítulo da saga de László. As oportunidades para um arquiteto talentoso como ele surgem, e sua empreitada inicial — projetar uma biblioteca para o pai de Harry Lee Van Buren (Joe Alwyn), um cliente milionário e mimado — desencadeia um dos momentos mais miseráveis de sua existência. Assim começa a relação entre László e Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), o austero e problemático patriarca da família, cuja postura revela os motivos do comportamento desprezível de seu filho. Como diz o ditado: "filho de peixe, peixinho é."
O relacionamento entre Brody e Pearce é um dos alicerces de O Brutalista. Os conflitos em torno da construção do santuário em homenagem aos antepassados de Van Buren custam tudo a László e proporcionam aos atores uma das melhores duplas de protagonista e coadjuvante do ano. O elenco, cuidadosamente escolhido por Kristina Erdely, é complementado pela performance sofrida e melancólica de Felicity Jones, que interpreta a esposa de László. O teor do relacionamento entre László e Van Buren é desvendado em uma cena brutal: o estupro de László por Van Buren, uma das mais desconfortáveis do filme. Nesse momento, o antissemitismo estrutural dos EUA, simbolizado pela figura de Van Buren, junto aos traumas da guerra, evidentes na relação disfuncional entre László e sua esposa, transformam o protagonista em um sobrevivente contraditório e perturbado, dono de uma genialidade arquitetônica suprimida por sua ambição e temperamento explosivo.
Nesse contexto, o roteiro de Corbet e Mona Fastvold — que já haviam colaborado em A Infância de um Líder e Sleepwalker — enriquece a narrativa ao entrelaçar o brutalismo, estilo arquitetônico surgido nos anos 1950, com a jornada do protagonista. Utilizando materiais brutos e uma estética minimalista e grandiosa, o brutalismo torna-se a manifestação física da resiliência e dos traumas de László como arquiteto e sobrevivente do Holocausto. O que viria a ser mais uma afirmação megalomaníaca de Van Buren, ressignifica a exploração da dor de László e sua família durante e após a guerra por meio do monumento brutalista, que trouxe à tona a pior versão do arquiteto para entregar aquela que é a obra de sua vida e que, por isso, pareceu consumir tudo nela.
Grandioso, divisivo e marcante, O Brutalista é um filme que gera amplas discussões carregadas de sentimentos conflitantes que jamais caberiam plenamente em um texto, mas que ecoam profundamente na experiência de quem o assiste. Entre a celebração da resiliência humana e a crítica à exploração estrutural e sistêmica, o longa nos desafia a encarar as contradições de um sonho americano construído sobre os escombros da dor alheia. Assim como o monumental santuário projetado por László, o filme é uma obra que demanda sacrifício e reflexão, reafirmando que grandes legados por vezes vêm com um custo insuportável
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