Ninguém Sai Vivo Daqui (Brasil, 2023)
Título Original: Ninguém Sai Vivo Daqui
Direção: André Ristum
Roteiro: Daniela Arbex, Rita Glória Curvo e Marco Dutra
Elenco principal:Fernanda Marques, Augusto Madeira, Andréia Horta, Rejane Farias, Naruna Costa, Aury Porto
Distribuição brasileira: Gullane+
Duração: 86 minutos
Quando a jornalista Daniela Arbex escreve Holocausto Brasileiro (Intrínseca) em 2013, a obra cria barulho na comunidade literária e coloca sob holofotes o gênero do livro-reportagem. Talentosíssima em sua escrita e sensível quanto ao conteúdo complexo que é narrado, essa foi apenas a porta de entrada para que Arbex pudesse seguir com a escrita enquanto ainda participava das adaptações audiovisuais de suas obras. Alguns casos mais famosos são o documentário Holocausto Brasileiro (Brasil, 2016) e a série Todo Dia a Mesma Noite (Brasil, 2023). Ninguém Sai Vivo Daqui é consequência mais longínqua do trabalho da autora, utilizando a história redescoberta do Hospital Colônia para criar uma narrativa ficcional com base na realidade.

Como fazê-lo quando a realidade narrada nos livros já é excepcionalmente bruta? Possivelmente foi diante desse questionamento que Ristum em partes opta pelo terror, e em outras pelo drama social, para tentar criar uma atmosfera audiovisual que consiga refletir o que foi a realidade. Optando seguir a linha narrativa de Elisa (Fernanda Marques), garota internada no hospital pela própria família por conta de uma gravidez indesejada, já se mostra um recorte específico da realidade do manicômio, cuja maioria dos internos era negra e pobre. Abandonada pela família por se recusar a casar com quem eles desejavam, ela passa por um processo de criação de psicoses por conta do ambiente desumano.
A construção dessa loucura é o processo que a obra tem mais sucesso ao realizar, principalmente por criar um ambiente sonoro sobrecarregado, que coloca o espectador em posição parecida a da protagonista. Os outros elementos que são emprestados do horror, como o uso de personagens sobrenaturais, a trilha sonora também carregada e até a tentativa de dar sustos no público não são tão bem sucedidos, tirando o foco do terror real vivido pelos residentes. O diretor parece estar ciente disso, utilizando cenas que mostram esse terror real, como os banhos coletivos, a alimentação e as mortes noturnas por hipotermia. Mas essas adições estão muito descoladas da narrativa central, deixando claro que são excertos. Não é possível criar uma dimensão audiovisual do horror narrado pela autora com palavras.
As atuações são os elementos de maior sucesso. Fernanda Marques consegue dar fisicalidade ao processo de ir perdendo, aos poucos, tanto a esperança quanto a sua humanidade. Passar de uma garota grávida e decidida até alguém completamente sem rumo não é uma tarefa fácil, mas conseguimos acompanhar toda a construção dessa brutalidade. Outra atriz que merece destaque é Rejane Faria, que consegue colocar um contraponto de resistência a todo o processo de embrutecimento oferecido. Apesar de ser uma personagem secundária pouco explorada, com a narrativa parecendo costurada às pressas à principal, pertence a ela a cena de maior emoção da obra, conduzida com grande sensibilidade.
Por ficar nesse meio-termo dos gêneros e focar em uma história específica, a obra não consegue dar vazão à multiplicidade de horrores reais do local já apresentado anteriormente ao público por outras obras audiovisuais que criam um imaginário. A proposta de recorte não é bem sucedida, e é perceptível que se perde o contexto geral de mais de 60 mil mortos ao longo dos anos que deu ao hospital o apelido de Holocausto Brasileiro. Percebemos bem o ambiente que enlouquece os pacientes, mas não há nem uma amostra da brutalidade geral da situação. Pode-se argumentar que esta é uma decisão deliberada do diretor, mas fazê-lo de maneira que remove o cenário real que o inspira age em desfavor de sua narrativa.
O resultado final é um semi-terror fictício que fica muito aquém do terror da realidade.
Twisters (EUA, 2024)
Título Original: Twisters
Direção: Lee Isaac Chung
Roteiro: Mark L. Smith e Joseph Kosinski baseados na história de Michael Crichton
Elenco principal: Daisy Edgar-Jones, Glen Powell, Anthony Ramos, Sasha Lane, Brandon Perea, Maura Tierney e Harry Hadden-Paton
Distribuição brasileira: Universal
Duração: 117 minutos
O filme Twister (EUA, 1996) indubitavelmente permanece na memória afetiva dos brasileiros que tiveram infância ou adolescência nos anos 2000, devido à sua repetição nas sessões da tarde. Além da inesquecível cena das vacas voando e efeitos visuais elaborados para a época, aprendemos o poder destrutivo dos tornados estadunidenses (não que eles não ocorram em outros lugares, apenas que este é o foco dos desastres na ficção).

Twisters, apesar da clara referência no nome, se coloca como um filme que referencia o primeiro a partir de uma narrativa completamente nova. Já nos primeiros cinco minutos de filme, é perceptível que isso não vai ocorrer, com nomes de equipamentos referenciando a obra anterior e até falas quase idênticas. Acabado o epílogo, percebemos que toda confusão não é mera coincidência. Com uma nova roupagem e detalhes que diferem, o filme de 1996 está sendo colocado novamente em tela grande.
Exibido no Brasil também otimizado para telas IMAX, há um destaque devido para a fotografia, seja para os momentos de tempestade ou para seus momentos mais solares. Criar a percepção do vento em tela não é uma tarefa fácil, mas ela é resolvida com muitas texturas e movimento. O uso do formato de gravação em película de 35mm também atua de maneira positiva, com o aspecto nostálgico pré-era digital tornando as cores das locações mais vivas, e as reviravoltas ainda mais violentas. Infelizmente, o trabalho realizado com as imagens não é refletido no som do longa, cuja produção sonora não causa a imersão que se poderia imaginar. A trilha sonora também trabalha contra a narrativa, impedindo o silêncio em cenas que se ganharia muito em apenas mostrar a desolação do desastre.
A trama sofre, sim, alguma atualização. Ao invés de termos como protagonistas um ex-casal, como no original, temos agora dois rivais. Kate (Daisy Edgar-Jones) é uma meteoróloga com um passado complexo em relação aos tornados e seus estragos, chamada pelo amigo Javi (Anthony Ramos) para voltar a caçar tempestades por uma boa causa. No caminho, ela conhece o youtuber Tyler (Glen Powell), que em primeiro momento parece ser o seu oposto, focado no espetáculo da caça de tempestades ao invés da tentativa de resolvê-las. Mas, obviamente, como em todo filme catástrofe, chega um momento em que a natureza supera todas as dificuldades humanas. E mesmo em um caminho bastante óbvio, a química entre Edgar-Jones e Powell é um elemento que trabalha a favor do filme, criando a torcida pelo romance que também é clássica do cinema dos anos 1990.
Existe uma tentativa de colocar uma crítica atualizada com a mudança climática e a cooperação das ciências com as grandes corporações, mas isso é colocado na trama de forma leviana e subaproveitada. Mais do que isso, há uma trama que valoriza a tradição estadunidense, colocando novamente no imaginário coletivo a figura do cowboy e enaltecendo o hábito asqueroso dos rodeios. Este é um terreno perigoso, ainda mais considerando o ano eleitoral no país e o cenário do conservadorismo que tem assolado o país.
Se o filme tenta se vender como um vento de mudança que traz algo de novo à franquia, é triste afirmar que ele é apenas mais do antigo filme, ainda que com técnicas aprimoradas.
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