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Crítica | O Aprendiz

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

O Aprendiz (EUA, 2024)


Título Original: The Apprentice

Direção: Ali Abbasi

Roteiro: Gabriel Sherman

Elenco principal: Sebastian Stan, Jeremy Strong, Maria Bakalova, Martin Donovan, Catherine McNally, Charlie Carrick, Ben Sullivan e Mark Rendall

Duração: 122 minutos

Distribuição Brasileira: Diamond Films


Atualmente, Donald Trump parece quase um personagem retirado de uma ficção bastante perturbada. Entre seus disparates racistas e condenações por assédio, ainda é surpreendente que recentemente ele tenha sido presidente eleito da potência militar dos EUA. Assim, quando surge um filme como O Aprendiz, ainda mais em um ano eleitoral, é necessário se aproximar dele com cautela. É difícil não pensar que o filme poderia ser uma propaganda política direta para qualquer um dos dois lados da disputa, mas ele se afasta desse caminho para analisar uma relação mais antiga e definidora do caráter público de Trump ao longo de sua vida.


sebastian stan interpretando donald trump

Na obra, baseada em fatos reais ficcionalizados, conhecemos um Donald Trump (Sebastian Stan) ainda jovem e sem vida pública. Obcecado com as figuras importantes para a política e economia de uma Nova Iorque decadente, ele acaba sendo apadrinhado pelo advogado Roy Cohn (Jeremy Strong). Este, que já estava em um lugar de potência e poder tanto por conta de casos famosos quanto de uma atitude arredia e agressiva, mostra para o então jovem algumas possibilidades de lidar com a justiça americana de forma um tanto ilegal, e isso solidifica uma relação de anos baseada no republicanismo e na masculinidade tóxica.


Mais do que vilanizar o ex-presidente estadunidense, o que é extremamente fácil com todas as suas atitudes suspeitas, preconceitos e dificuldades de comunicação, o filme consegue trazer mais uma camada de interpretação à persona pública que conhecemos em 2024. O que ele ataca é justamente a originalidade de Donald Trump e de suas ideias sobre patriotismo e defesa da sua nação, explorando inclusive os contrapontos que diferenciam a criatura do criador e causaram a ruptura entre os dois.


A obra tenta nos apresentar uma visão intimista da vida de Trump através de cenas que envolvem sua família e amigos gravadas em uma aparência que se assemelha à de reality shows. Com ângulos que captam diversas conversas refletidas em espelhos e uma granulação de imagem em algumas cenas, é fácil esquecer que o filme é uma ficção. Sebastian Stan é outro elemento para esquecermos a barreira entre os dois, conseguindo captar bem os trejeitos e criando realmente uma narrativa de como a transformação de seu personagem se deu. Ele inicia a obra com uma voracidade que ainda tem uma reticência quase inocente, e aos poucos consegue criar o contraste com o homem que vemos ao final da obra, já alaranjado pelo bronzeamento artificial e sem escrúpulos para ferir quem ele precisar para chegar ao seu objetivo - que ele mesmo não sabe definir qual é.


Essa construção se reflete em diversas relações em sua vida, desde o flerte com quem vai futuramente ser sua esposa Ivana Trump (Maria Bakalova) até com seus pais e irmão. Tanto a narrativa por si só quanto a direção focam nessa transformação com a repetição de dinâmicas. Com a esposa, a passagem do fogo inicial de uma paixão passa ao desinteresse e depois, à agressão. Com os pais, a atitude passa de uma aceitação das normas para uma revolta e por fim, agressão. Esta é a mensagem final que a obra passa, de um homem que se torna cada vez mais isolado, desconfiado e agressivo. Uma pessoa que parte de uma relação quase de filho em relação a um homem e que, passado o período em que ele poderia ser útil, simplesmente o descarta. E infelizmente, essa pessoa pintada é alguém que todos conhecemos em nossas vidas, e é nessa aproximação que se dá uma compreensão mais direta da personalidade criada em tela. Existe uma humanização de uma pessoa que é normalmente apontada como heroi ou vilão, mas essa humanização cumpre a função determinada já nos primeiros minutos da obra.


Em um universo de notícias falsas e até vídeos criados com inteligências artificiais, é cada vez mais difícil que um filme baseado em fatos reais consiga deixar claro para o público que ele traz uma visão ficcionalizada de parte de uma história. Ainda assim, essa obra consegue criar um ponto de vista sobre a existência de Trump e defendê-lo, evitando alguns dos momentos mais complexos e criminais da história do político, enquanto ainda consegue manter o público interessado no que está acontecendo em tela. Considerando a dificuldade de criar uma obra sobre uma pessoa enquanto ela ainda vive, sem afastamento temporal, ele cumpre bem o seu papel e deixa Trump irritado a ponto de chamá-la de mentirosa e sem classe.


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