Guerra Civil (2024, EUA)
Título Original: Civil War
Direção: Alex Garland
Roteiro: Alex Garland
Elenco principal: Kirsten Dunst, Wagner Moura, Cailee Spaeny, Stephen McKinley Henderson, Nick Offerman, Jefferson White
Distribuição brasileira: Diamond Films
Duração: 109 minutos
texto por Carol Ballan
Quando Alex Garland tem Ex Machina - Instinto Artificial como seu filme de estreia como diretor, ele cria expectativas gigantescas em relação à sua filmografia. Seguido por Aniquilação e depois Men: Faces do Medo, parecia que ele se encontrava em uma sequência decrescente em qualidade. No entanto, com Guerra Civil ele consegue retornar à sua altíssima qualidade, gerando duas horas de uma narrativa que deixa o espectador vidrado na tela na mesma medida em que causa reflexões.

Se passando em um momento não definido da história estadunidense, o longa-metragem cria uma guerra fictícia, na qual alguns estados se juntam para depor o presidente. Acompanhamos mais especificamente a jornada de dois jornalistas de guerra, Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura), que estão em Nova Iorque e pretendem ir até Washington D.C. para acompanhar o conflito e entrevistar o presidente (Nick Offerman) antes do fim da guerra. Ele acrescenta ainda o conflito geracional em uma profissão de alto risco, com Jessie (Cailee Spaeny) sendo uma jornalista jovem que idolatra Lee, e também funciona algumas vezes como uma maneira indireta de explicar aos espectadores o funcionamento da profissão.
Apesar de estar sendo lançado no mesmo ano das eleições dos EUA, e em um cenário no qual existe a pressão do retorno do ex-presidente Donald Trump mesmo após a invasão ao Capitólio, é justamente pela ausência de uma grande aproximação ao momento atual que se cria a camada mais interessante de compreensão do filme. Obviamente, é impossível não traçar paralelos, ainda mais quando se pensa nos atos antidemocráticos que têm acontecido por parte da extrema direita em todo o mundo. E então, por mais que isso levante questões como qual seria o encaminhamento para a aliança Califórnia-Texas, também é o lembrete de qual o mal em comum que está sendo combatido.
Mas a maior qualidade da obra está diretamente relacionada com a qualidade de Garland como diretor. Principalmente utilizando a dupla edição de som e fotografia, ele consegue criar planos e sequências que transmitem perfeitamente a aflição e perigo de estar dentro de uma zona de guerra. Assistindo a sessão otimizada para Imax, há momentos em que se prende a respiração aguardando o próximo movimento da obra, justamente pelo jogo entre o que está sendo mostrado em tela e a informação que está sendo apresentada em áudio. Ele causa reações instintivas que fazem com que os espectadores sintam uma imersão do que está sendo apresentado em tela, e sem tal técnica seria muito difícil criar uma empatia com algo que pode parecer distante. Não à toa, um dos maiores trabalhos de Garland no roteiro é em Contágio, filme de zumbis que apresenta roteiro igualmente incessante.
O conflito entre Lee e Jessie também é importante para dar ritmo ao filme, com a relação entre o cansaço e a tentativa de proteção e a empolgação e imprudência criando um arco narrativo crível e que cria uma espinha dorsal para a obra. Para o público brasileiro, há ainda a alegria de assistir Wagner Moura em um papel de bastante destaque, que mistura a canastrice com o bom coração.
Ainda que esteja longe de alcançar o equilíbrio perfeito de Ex Machina, Garland consegue se livrar dos maneirismos e experimentações que tornaram Men uma obra que parece um ponto fora da curva de sua cinematografia. Estando agora em um momento estável no qual está para decidir se irá se afastar da direção para focar apenas no roteiro, o filme vem em bom momento para lembrar que sentiremos falta da sua habilidade na direção.
texto por Jean Werneck
Em road movie dirigido por Alex Garland, sobrevive na guerra da polarização quem atira primeiro e pergunta depois.
Em meio a uma guerra civil nos Estados Unidos, um grupo de fotojornalistas atravessa o país registrando os horrores do conflito apocalíptico enquanto tentam sobreviver. Entre as sequelas pessoais e sociais do extremismo, os veteranos Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura) tentam processar a adrenalina de sua profissão ao passo que a novata Jessie (Cailee Spaeny) fica ávida para capturar a crueza dessa realidade distópica, custe o que custar. Alex Garland se consolidou como um expoente do suspense moderno com os elogiados Ex-Machina (2015) e Aniquilação (2018). Em Guerra Civil, o diretor reitera sua habilidade de instalar a tensão no ar, mas se contradiz na visão que quer transmitir dos EUA.

A concepção do longa como um road movie traz uma voltagem inexorável para as cenas. Estamos sempre esperando que um cataclismo vá ocorrer na narrativa, mas sem ter noção de quando. Conectando com o subgênero citado acima, é como se o pé do motorista estivesse sempre no acelerador, só esperando para colidir a qualquer momento com algo ou alguém. Esse choque iminente entre polos opostos é bem explorado tecnicamente pela edição de som - que ora opta por estrondos e ora pelo corte sonoro sobreposto por uma trilha sonora contrastante - e pela fotografia - que vai do grande plano geral para o plano detalhe alternando entre filtros turvos e ultra nítidos. A estética reflete a capacidade realista dos personagens fotografarem o que presenciam como profissionais e como eles distanciam esse olhar dos efeitos traumáticos causados à eles. A dicotomia entre o serviço prestado pelo fotojornalista e a vulnerabilidade de quem está por trás da câmera é elevada pela relação entre Lee e Jessie, que não se destacam apenas pela performances angustiantes de Kirsten Dunst e Caille Spaeny, como também pela dinâmica contrariamente análoga das duas.
Ademais, saindo da angulação direcionada do núcleo principal, o roteiro de Garland acaba por fazer um recorte distópico dúbio da superpotência e a verossimilhança que pretende alcançar com a representação dos Estados Unidos em questão. Ao mesmo tempo em que não há especificidade sobre o contexto da guerra ou suas motivações, é ratificado que a obra quer falar desse país e seu estado de polarização ideológica, adentrando até mesmo debates regionais sobre o que caracteriza um verdadeiro estadunidense. Existe alguma crítica ou mesmo argumentação nas entrelinhas, contudo ela é ofuscada pela fumaça das explosões ou silenciada pelo som dos tiroteios. A ação não é um problema em si - aliás, traz um ritmo pressionado para o enredo excelente -, só que está em constante luta contra o retrato político construído em último plano. Um roteiro com um argumento sofisticado pode gerar uma multiplicidade de interpretações para o espectador, já um roteiro com um argumento atrofiado pode deixar o espectador duvidoso de onde o realizador quer chegar com aquela obra. Lamentavelmente, Guerra Civil se enquadra no segundo caso.
Logo, Guerra Civil conquista por vidrar o público na telona e trancafiá-lo - no bom sentido - na sala de cinema com sua técnica cinematográfica, entretanto se contenta em atirar primeiro e não perguntar nunca com seu enredo.
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