Motel Destino (Brasil, França, Alemanha e Reino Unido, 2024)
Título Original: Motel Destino
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Wislan Esmeraldo, Karim Aïnouz e Mauricio Zacharias
Elenco principal: Iago Xavier, Nataly Rocha e Fábio Assunção
Distribuição brasileira: Pandora Filmes
Duração: 115 minutos
Texto por: Carol Ballan
Desde seu lançamento em Cannes e seguido pela divulgação de seu belíssimo pôster, Motel Destino se tornou um filme muito ansiado pela crítica brasileira. Abrindo aqui o Festival de Gramado e também o Festival de Filmes Incríveis, é perceptível a comoção em seu entorno.

O longa-metragem já se inicia no ritmo animado que se estenderá a toda a sua duração, apresentando o personagem Heraldo como um homem um tanto ingênuo e com um histórico de estar próximo a ambientes bastante violentos. Então, após falhar em uma missão com seu irmão que resulta na morte dele, o rapaz acaba sendo acolhido por Dayana (Nataly Rocha) no motel em que ela trabalha, o homônimo Motel Destino. Ali, naquele universo artificial enclausurado que a maior parte do filme se passa, na medida em que o relacionamento entre os dois e também com o dono do hotel e marido de Dayana, Elias (Fábio Assunção).
Nos primeiros momentos a iluminação fluorescente tão presente no pôster já se coloca em tela, justamente ajudando a fotografia do filme a criar esse ambiente de clausura importante para o seu desenvolvimento. É interessante como os enquadramentos já falam sobre a obra, com a maioria dos planos tendo apenas um dos autores enclausurado, planos conjuntos próximos nas cenas de sexo e planos mais amplos apenas quando são mostrados personagens juntos interagindo de maneira não-sexual, como no momento da dança e nas poucas cenas externas ao motel.
A fotografia dinâmica e a edição rápida fazem com que o filme seja sentido de maneira leve, mesmo possuindo cenas bastante violentas. Talvez pela sua dose de humor, mesmo os momentos mais tensos acabam suavizados, o que é um grande feito da direção considerando que, de acordo com Aïnouz na coletiva seguinte ao filme, sua intenção era ser positivo mesmo tratando de assuntos pesados. O caminho escolhido, que lida com violência contra mulheres e até homofobia, poderia levar um diretor menos engajado a caminhos problemáticos, mas felizmente ele consegue transitar tranquilamente por isso. Mesmo a nudez e o sexo, que são usados frequentemente como um recurso durante a obra, aparecem aqui em uma versão positiva. Mesmo sabendo, por exemplo, que ocorre algum estupro marital no relacionamento entre Dayana e Elias, isso nunca é mostrado em tela - algo que ajuda nessa sensação geral sobre a obra.
Também de acordo com o diretor, haviam muitas cenas com excesso de diálogo que foram repensadas na montagem, mantendo um caminho mais relacionado ao sensorial. Ainda assim, principalmente nos momentos finais, há uma verborragia que tenta explicar a obra e que afasta o longa-metragem dessa sutileza utilizada até então. Há também muitas cenas em que se brinca com um cinema mais experimental, mais divertido do que necessariamente formalista, como as cenas de alucinação. Aqui, parece que o diretor ainda mantém uma postura um pouco conservadora, sendo que o filme permite uma exploração ainda mais profunda do subconsciente, e toda a sua direção de arte parece indicar este como um caminho possível.
Karim Aïnouz consegue trazer a trama para um caminho bastante inventivo, mas acaba não levando isso às últimas consequências e isso tem um peso quando consideramos o conjunto final da obra. Como ele já conseguiu criar a seu prestígio no cenário de festivais internacionais, talvez seja um bom momento para ousar atravessar algumas fronteiras.
Texto por: Jean Werneck
De volta às telonas, Karim AÏnouz dirige thriller erótico que desafia os limites entre a tensão e o tesão.
Tentando escapar do seu passado e da vida marginal que leva, Heraldo (Iago Xavier) se abriga no insalubre Motel Destino, onde conhece Daiana (Nataly Rocha), e seu marido abusivo, Elias (Fábio Assunção), que juntos comandam o estabelecimento. Em um jogo de sedução e violência, os três vivem uma jornada inflamável que coloca desejo e revolta como dois lados da mesma moeda.

O ano de 2024 está sendo significativo para a sensualidade no cinema. Após Rivais, de Luca Guadagnino, e Assassino Por Acaso, de Richard Linklater, era difícil imaginar um filme que pudesse trazer ainda mais excitação às telas. Motel Destino, no entanto, chega aos cinemas não apenas para endossar essa corrente, mas também para expandir sua complexidade cinematográfica.
Atualmente, Karim Aïnouz é um dos principais cineastas brasileiros com visibilidade internacional - não é à toa que seus longas são frequentemente ovacionados no Festival de Cannes. A premiada filmografia do diretor é marcada pela exploração do desejo e da sexualidade de protagonistas inseridos em contextos opressivos ou pertencentes a grupos vulneráveis socialmente. Madame Satã (2002), O Céu de Suely (2006) e A Vida Invisível (2019) são algumas das suas obras que dialogam com essa temática em diferentes ambientações.
Em Motel Destino, o diretor revisita suas origens no escaldante Ceará com Heraldo, um jovem que reencontra a libido pela vida após vários traumas provocados por uma família conturbada. Em termos de conteúdo, há uma sensação de "mais do mesmo". Apesar de uma nova narrativa, o longa essencialmente reafirma a cosmovisão de Aïnouz: colocar o prazer como uma defesa contra a opressão e se posicionar ideologicamente na sociedade contemporânea com aquilo que acredita, com a elegância e ironia perspicazes que lhe são características. Embora se trate de uma faceta distinta das já apresentadas em seus outros trabalhos, Motel Destino gira em torno do mesmo eixo estabelecido pelo cineasta, sem acrescentar algo realmente relevante ao que já foi dito ou filmado.
No entanto, apesar de não haver nada de inovador no conteúdo, há, sem dúvida, inovação na forma como o filme foi realizado. Aïnouz consegue costurar diversos estilos e gêneros com sofisticação. Partindo do romance policial como base, a direção incorpora elementos do thriller erótico, do surrealismo e do neo-noir.
As cenas de sexo entre Heraldo e Daiana, enquanto tentam se esconder de Elias, e a edição de som, ambígua quanto a se os gemidos dos clientes do motel pelos corredores são expressões de prazer ou dor, contribuem para a atmosfera do filme como um thriller erótico. A montagem, intercalada com vislumbres oníricos desconexos do passado de Heraldo, e a trilha sonora com melodia psicodélica, adicionam um misterioso surrealismo psicológico. A fotografia, com suas cores fluorescentes e subversão das tramas policiais, juntamente com a moral duvidosa dos personagens, remonta a características do neo-noir. Por meio de variadas técnicas, Motel Destino faz recortes precisos que tornam sua estética hipnotizante.
Por fim, não há como encerrar este texto sem citar a poderosa trinca de atores formada por Iago Xavier, Nataly Rocha e Fábio Assunção - com destaque para a performance sádica e descontrolada de Assunção como Elias. O trio sustenta com maestria esse universo febril e vulgar de Karim Aïnouz, que, apesar do choque pela nudez excessiva e boemia gratuita, demonstra que sabe fazer cinema como poucos e é único na forma como o faz.
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