Bob Marley: One Love (Reinaldo Marcus Green, EUA, 2024)
Nome Original: Bob Marley: One Love
Roteiro: Terence Winter, Frank E. Flowers e Zach Baylin
Elenco principal: Kingsley Ben-Adir, James Norton, Lashana Lynch, James Norton e Nadine Marshall
Distribuição brasileira: Paramount
Cinebiografia é mais um subgênero do cinema que conta com um pico de popularidade impulsionado pelo sucesso comercial e em premiações de algumas obras, como foi o caso de Bohemian Rhapsody, sobre a banda Queen. Então, obviamente estúdios passam a investir em alguns nomes importantes para a cultura mundial, e nessa situação surge a possibilidade de produzir uma obra sobre Bob Marley, grande difusor do reggae para o mundo.

A obra é criada a partir de um recorte específico da vida do cantor, entre 1975 e 1978, quando Bob Marley (Kingsley Ben-Adir) já era conhecido mundialmente e tentava apaziguar a situação de uma quase guerra civil em seu país de origem, a Jamaica. A escolha é adequada tanto pela dramaticidade, tendo sido o período em que ele foi baleado, exilado e escreveu um de seus melhores álbuns, quanto pela diversidade de espaços e experiências que poderia ser retratada, passando da Jamaica ao Reino Unido, e lidando com um momento de conflito interno do músico. No entanto, um roteiro com dificuldades expositivas e de manter o tom e lógica interna da obra fazem com que além de esquecível, o resultado final seja monótono.
O longa-metragem já se inicia com um texto meramente informativo sobre a situação partidária na Jamaica, ignorando a sua capacidade audiovisual de mostrar ao invés de apenas forçar o espectador a ler. Mesmo assim, ele falha em demonstrar a situação do país e dos conflitos existentes, que dariam uma dimensão muito maior da importância do show programado por Marley para tentar unir a juventude do país. Apesar de este parecer um detalhe razoavelmente simples, ele apenas é um demonstrativo do que acontecerá por toda a sua duração. Os contextos são excessivamente explicados em falas, enquanto o subtexto é quase inexistente.
Utiliza-se o tempo de tela de uma maneira irregular e que varia entre a narrativa regular e flashbacks que tentam explicar parte desse subtexto, mas que não são bem sucedidas. Elementos essenciais para a história, como a base da religião rastafari e sua perseguição, são deixadas de lado para mostrar os momentos mais ritualísticos, esteticamente mais interessantes, mas que não explicam coisas como a escolha de Bob Marley em não tratar o seu câncer, quando descoberto.
Mesmo a recriação da personalidade do músico para as telas é confusa. São trazidas camadas de uma certa abusividade no relacionamento que soam confusas quando colocadas lado a lado com a figura humanitária. Ainda que haja um trabalho competente de atuação principalmente nas cenas que envolvem música, não há maiores explicações sobre esses conflitos externos, e o resultado final é uma artificialidade que tenta se passar por profunda.
Novamente, perde-se a chance de fazer um excelente filme sobre uma figura importante para a política e música mundiais.
Horizonte (Rafael Calomeni, Brasil, 2023)
Nome Original: Horizonte
Roteiro: Dostoievski Champangnatte
Elenco principal: Raymundo de Souza, Pérola Faria, Ronan Horta, Arthur de Farah e Paulo Vespúcio
Distribuição brasileira: A2 Filmes
Uma relação muito feita na história do cinema é entre essa arte e a passagem do tempo. Seja por conta da possibilidade de criar belas elipses temporais, ou do próprio ato de filmar algo que está acontecendo em um certo tempo e espaço, o tempo sempre tem um papel importante em filmes. Justamente por isso o envelhecimento é um assunto muito abordado por diversas obras e em diversos gêneros.

Começando com uma fotografia escura e dessaturada, que parece deslocada em relação ao sol de Aparecida de Goiás, o conflito do filme começa a ser desenvolvido em uma conversa entre uma família. Com certa verborragia que poderia ser evitada se a obra se desse mais tempo de desenvolvimento, compreendemos que é um conflito de interesses em relação a uma herança: a casa onde o protagonista Rui (Raymundo de Souza) mora com o sobrinho-neto Juarez Júnior foi deixada também para Juarez, seu sobrinho. Este, com desejo de provocar a família e de se mudar de cidade, resolveu habitar a casa com sua família e impôs novas regras que impedem a circulação dos habitantes antigos. E assim começa o drama do protagonista Rui, idoso e cada vez mais alheio aos acontecimentos de sua casa e sua família.
A trama começa a se desenvolver para o drama familiar e algumas questões importantes são levantadas em relação ao estereótipo de família feliz versus a realidade cada vez pior. Os personagens são críveis, as atuações são convincentes, e o arco está se desenvolvendo para que a paciência de Ruy fique cada vez mais próxima do limite. A grande quebra de expectativa é em relação a como o fim desta paciência é abordado. Inicia-se uma nova narrativa repetitiva para a construção de uma nova relação. De certa maneira, é importante que haja uma retratação de como a terceira idade pode ser melhor aproveitada, e que idosos são pessoas com desejos e paixões como humanos de qualquer outra idade. Mas a mudança de narrativa é muito abrupta, com tudo o que foi construído até o momento sendo deixado para trás. Criam-se duas possibilidades narrativas por si só interessantes, mas que não conseguem a fixação necessária entre ambas para que o filme se estruture.
Essa inconsistência narrativa é repetida tecnicamente. A fotografia do filme e seu tratamento de cores não segue uma lógica compreensível considerando o conteúdo da obra, se tornando mais um fator que pouco agrega ao conteúdo audiovisual da obra. A mistura entre luzes mais quentes ou frias, imagens saturadas e dessaturadas, e sem grandes elementos que indiquem o critério de utilização gera essa estranheza e desconforto, mesmo em cenas que esse não parecia ser o intuito.
Sendo essa a estreia do diretor, é compreensível que alguns fatores ainda pareçam desencontrados. No entanto, talvez pelo seu histórico como ator, as atuações são o ponto mais forte da obra, assim como a criação de relações humanas críveis e sensíveis. Com uma grande dificuldade de roteiro e uma repetição desnecessária de elementos como a Boneca Cobiçada, música repetida até o último momento da obra, ele aos poucos perde a atenção dos espectadores mesmo com a sua curta duração.
Sua ideia de reinvenção e amor na terceira idade, no entanto, permanece mais muitos dias nas mentes de quem o assiste.
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