Love Lies Bleeding - O Amor Sangra (2024, Reino Unido e EUA)
Título Original: Love Lies Bleeding
Direção: Rose Glass
Roteiro: Rose Glass e Weronika Tofilska
Elenco principal: Kristen Stewart, Anna Baryshnikov, Dave Franco, Katy O’Brian, Jena Malone e Ed Harris
Distribuição brasileira: Synapse Distribution
Duração: 104 minutos
Texto por: Carol Ballan
Quando um diretor tem um filme de estreia que chama atenção, há uma expectativa em relação à sua segunda obra. Este é obviamente o caso de Rose Glass, que em 2019 lançou Saint Maud e já recebeu um lugar de honra em meio às diretoras de terror. Agora, para seu novo projeto, ela se afasta um pouco do gênero para criar um thriller romântico.

Resumir o filme a essa nomenclatura genérica de gênero é limitar as suas possibilidades, algo que, felizmente, a diretora passa longe de fazer. Acompanhamos a história de Lou (Kristen Stewart) quando Lucy (Anna Baryshnikov) chega à sua cidade interiorana nos EUA pedindo carona pelo país para tentar chegar a um campeonato de bodybuilding em Las Vegas. No auge do culto ao corpo perfeito dos anos 1980, Lou é funcionária de uma academia e tem toda a sua realidade alterada por essa paixão avassaladora. Mas quando o caminho da então namorada começa a cruzar com seus próprios dramas familiares, a trama fica cada vez mais sombria e assustadora.
Já é uma escolha bastante feliz criar um filme deliciosamente queer sem a necessidade de tornar a sexualidade das personagens como o ponto central da narrativa, mas sim o vínculo forte e um tanto problemático criado entre elas. Suas sexualidades são absolutamente bem resolvidas e tratadas como tal em tela, deixando tempo para o que realmente importa, que é a narrativa dramática envolvendo seus traumas. Assim, quando ele cria cenas de sexo memoráveis e tem a coragem de mostrar esses corpos nus, a obra não cai em uma fetichização do lesbianismo, mas sim em uma representação clara uma relação incendiária.
O que contribui para essa sensação de que o filme acerta no tom é a qualidade da diretora. Entre escolhas estilísticas que trazem o melhor dos anos 1980 e a decupagem que maximiza a utilidade de cada plano fazem com que não se duvide em nenhum momento das intenções da diretora. É difícil conseguir filmar corpos em forma física quase estereotipada sem parecer fazer um elogio a um padrão de beleza impossível, mesmo que sua narrativa esteja tratando disso. Ao mostrar uma diversidade de corpos, mesmo dentro desse padrão, há uma escolha consciente por não simplificar a conversa em pontos em que ela não deveria ser simplificada. Pelo contrário, mostra-se uma coerência com a narrativa da obra de maneira geral e o limiar entre o super-humano e o monstruoso que nela se coloca.
Essa discussão é amplificada na obra através de vários campos criativos, flertando com o horror em diversos momentos. A edição de som que se soma às cenas com planos fechados de músculos sendo flexionados com uma sonoridade aflitiva e ao mesmo tempo potente é o exemplo perfeito dessa reflexão causada até inconscientemente. A mudança na postura das atrizes nas cenas em que estão relaxadas e juntas em relação a qualquer cena exterior também deixam bem clara a atitude de um casal apaixonado contra todo o resto do mundo que é tão comum na ficção, mas tão incomum em um filme como esse.
O filme é pouco tradicional tanto em forma quanto em conteúdo, mas mesmo assim utiliza uma narrativa linear para manter o espectador engajado com a ação e a história sendo contada, o que também é uma escolha inteligente da diretora. Ela, mostrando um domínio de gênero em dois gêneros diferentes, nos deixa empolgada pelos seus próximos longa-metragens.
O Dublê (2024, EUA, Austrália e Canadá)
Título Original: The Fall Guy
Direção: David Leitch
Roteiro: Drew Pearce e Glen A. Larson
Elenco principal: Ryan Gosling, Emily Blunt, Aaron Tyler-Johnson, Hannah Waddingham, Teresa Palmer, Stephanie Hsu e Winston Duke
Distribuição brasileira: Universal Pictures
Duração: 126 minutos
Texto por: Jean Werneck
Em blockbuster de David Leitch, Hollywood dubla a si mesma com o humor autodepreciativo que a redime.
Depois de um acidente quase fatal para sua carreira, Colt Seavers (Ryan Gosling) retorna aos sets como dublê do astro de ação Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson) em Metalstorm. Este é o filme de estreia da diretora Jody Moreno (Emily Blunt) que, por acaso, também é uma antiga paixão dele. Não sendo suficientes os riscos que corre nos bastidores das gravações, Colt precisa encontrar Tom, misteriosamente desaparecido, para impedir que o estúdio engavete o projeto de Jody e eles finalmente possam ficar juntos.

David Leitch mistura ação e comédia como ninguém - os aclamados Deadpool 2 e Trem-Bala testificam isso. Em O Dublê, ele não só mescla os dois gêneros no estilo hollywoodiano, como destaca essa equipe de profissionais pouco valorizada pelo cinema americano enquanto, sutilmente, limpa a barra da indústria.
Baseado em Duro na Queda, série televisiva dos anos 80, o roteiro aproveita sua metalinguagem para trazer referências ao seriado e aos filmes americanos que o inspiraram. Velozes e Furiosos, Rocky, Thelma e Louise e Um Lugar Chamado Notting Hill são algumas das obras citadas. A partir disso, fica claro o enfoque de O Dublê: encontrar a pirotecnia narrativa ideal para Hollywood falar dela mesma e fazer a manutenção da sua estremecida hegemonia sobre o cinema mundial. Claro, o filme de Leitch tem críticas divertidas aos escândalos das estrelas - citando até Amber Heard e Johnny Depp -, ao perigo do uso de inteligência artificial pelos estúdios ou a desvalorização de categorias profissionais que têm funções de suma importância para a sétima arte, mas que são pouco vendáveis. Contudo os objetivos desse humor autodepreciativo é que são suspeitos - mais do que os crimes que Colt desvenda. As escolhas narrativas, assim como as técnicas, convergem para que Letich alfinete os clichês e polêmicas hollywoodianos ao mesmo tempo em que os reproduza com nostalgia.
Veja, a escalação de Ryan Gosling - que explodiu no ano passado em Barbie como um Ken patético e carente - e de Emily Blunt - que esteve do outro lado do fenômeno Barbienheimer como a Sra. Oppenheimer - em O Dublê não foi só intencional, como também estratégica. Assim como as referências a Duna, saga de ficção científica do momento, e a presença de Hannah Waddingham e Stephanie Hsu, atrizes recentemente indicadas a prêmios por Ted Lasso e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, respectivamente, tornam esse formato cômico americano de autocrítica uma oportunidade para ser, mais uma vez, aplaudida pelo restante do mundo.
O cineasta de fato consegue imprimir sua identidade nos diálogos sarcásticos e no jogo de câmera retrô cheio de estímulos visuais e sonoros que conhecemos de seu cinema. Do mesmo modo, a execução de técnicas e enquadramentos complexos capta nossa atenção e entretêm com drama, romance, ação e comédia o espectador com extrema eficácia. Entretanto, não se trata necessariamente de como é bem feito, mas porquê é bem feito. O Dublê se torna um número mágico fantástico se você não descobrir o segredo por trás do truque.
Caso perceba nas entrelinhas, vai enxergar que por mais que Colt Seavers seja a representação de um grupo marginalizado ganhando protagonismo nas telonas, o que realmente impressiona em O Dublê é o modo como o cinema americano continua excelente em ludibriar o público para reafirmar seu supremo modo de fazer cinema, revelando como faz seus truques enquanto executa outros. Se as pessoas se cansarem dela tirar coelhos da sua cartola, ela pode tirar qualquer outro animal de lá, desde que se mantenha no palco com os holofotes voltados para si.
Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2 (2024, EUA, Austrália e Canadá)
Título Original: Winnie-the-Pooh: Blood and Honey 2
Direção: Rhys Frake-Waterfield
Roteiro: Rhys Frake-Waterfield, Matt Leslie e A. A. Milne
Elenco principal: Scott Chambers, Tallulah Evans, Ryan Oliva, Lewis Santer, Eddy MacKenzie e Marcus Massey
Distribuição brasileira: Imagem Filmes
Duração: 100 minutos
Texto por: Adam Williams
O terror é um dos gêneros mais versáteis para que diretores e roteiristas brinquem com praticamente qualquer conceito que vier à mente. Um assassino que só ataca nos sonhos das vítimas? Claro. Um grupo de astronautas – e um gato – presos com uma criatura biologicamente criada para matar? Ótimo. Amigos enfrentando um serial killer mascarado que ama filmes de terror? Genial. E que tal pegar um ou mais ícones conhecidos por uma franquia de desenhos animados infantis e transformá-los em seres sedentos por sangue? Tem tudo pra dar certo. Se for bem feito, claro.

Talvez seja por isso que Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2 (Winnie-the-Pooh: Blood and Honey 2) não pareça um filme essencialmente problemático à primeira vista. O conceito por trás da ideia desses filmes é bem interessante: aproveitar os personagens clássicos da Disney que caíram em domínio público e executar uma produção de terror aproveitando a iconografia dessas figuras. E quando a curiosidade bateu mais forte, fazendo a criação de Rhys Frake-Waterfield lucrar mais de 5 milhões de dólares – com um orçamento de 100 mil dólares –, ficou claro que o diretor tinha um urso dos ovos de ouro nas mãos.
Uma sequência logo foi encomendada e um investimento um pouco maior – na faixa dos U$ 500 mil – se traduziu em um elenco melhor e uma maquiagem mais elaborada para os personagens. Seguindo basicamente a mesma premissa de colocar as versões assassinas de Pooh, Leitão e Corujão para caçar Christopher Robin (Scott Chambers), a novidade fica por conta do personagem inspirado por Tigrão dar as caras, já que agora o hiperativo felino também caiu em domínio público. E apesar do primeiro filme ter sido massacrado, já que nem a história nem a parte técnica agradaram, o terror sempre tem espaço para um trash cativante e fica a curiosidade: o conceito de Sangue e Mel faz valer a sequência?
Waterfield retorna na direção e não dá pra dizer que ele não tentou fazer algo bom, já que há um nítido esforço para que o gore não seja a única base para Sangue e Mel 2 divertir os fãs do gênero. Existe uma linha narrativa que sugere explorar os traumas do protagonista após Christopher Robin testemunhar os crimes do filme anterior, ao mesmo tempo em que brinca com a ideia de que a cidade não aceitou tão bem sua versão da história. São subtextos interessantes que não vão além dessa pincelada, já que o próprio diretor escanteia a obra anterior em busca de fixar Sangue e Mel 2 como um alicerce não só para uma franquia, mas todo um universo expandido que promete conectar personagens diferentes em um grande evento futuro.
Talvez pelo viés da sátira, seria curioso aproximar Sangue e Mel 2 justamente dos tradicionais contos de fadas. Macabros por natureza, os contos eram dotados de lições de moral que se aplicavam muitas vezes de maneiras punitivas aos seus personagens, algo não muito diferente do que tantos slashers faziam ao incluir o "fator pecado" como aspecto crucial de suas vítimas, sempre punidas por irem contra uma moral praticamente conservadora. Entretanto, apesar de encaixar seu filme dentro do slasher, Waterfield não se mostra interessado em uma construção muito elaborada, optando por empilhar corpos sem pensar muito nas cenas de morte em si. Não há nenhum momento realmente inspirado, além de sequências que se sobressaem justamente pela estupidez da coisa: uma cena de uma garota em cima de uma grade parece ter saído de uma paródia a la Todo Mundo em Pânico, onde a sacada era fazer rir através do ridículo.
É claro, não é como se alguém estivesse esperando ver em Sangue e Mel 2 a grande virada para o terror, como se o filme pudesse representar um novo patamar para o gênero. Mas diante de um baita lucro conquistado na base da curiosidade – algo com o qual o diretor não poderá contar para sempre –, o mínimo que se pode aguardar é um filme minimamente pensado. Ou talvez que a paródia seja assumida de uma vez, já que potencial para isso existe. Por que não fazer rir e brincar com o senso de ridículo mesmo com os litros de sangue derramados? O que não dá é para seguir entregando um filme onde é impossível se envolver com qualquer coisa. Taí um pecado que não há banho de sangue que resolva.
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