Ela Disse (2022), grande lançamento da Universal para esse fim de ano, mistura duas questões em alta nos últimos anos. A primeira são filmes que retratam investigações jornalísticas, impulsionados pela vitória de Spotlight no Oscar de 2016, com consequências que vão do longa-metragem The Post até a série O Golpista do Tinder. Já a segunda são as obras que falam sobre o movimento #MeToo, que também ecoam diretamente em obras como O Escândalo e têm uma influência mais indireta em outros como Bela Vingança. Assim, contando a história da investigação do New York Times que levou ao início do movimento da exposição do abuso sexual em Hollywood a partir do produtor Harvey Weinstein, baseado em um livro escrito pelas jornalistas envolvidas, vencedoras do prêmio Pulitzer pela matéria original, torna-se clara a sua relevância.

Quando as mulheres abusadas tiveram a oportunidade de dar voz ao que ocorrera em suas carreiras, lideradas por grandes vozes que aparecem no filme como Gwyneth Paltrow e Ashley Judd, o movimento que se seguiu, chamado #MeToo, foi mais abrangente do que o inicialmente imaginado. De mulheres de todos os setores contando horrores ocorridos em diversas áreas a relatos sobre o audiovisual em diversos países, inclusive o Brasil, a reportagem narrada teve consequências que vão desde conversas entre amigas até grandes prisões, como a de Weinstein, e mudanças de legislações que passaram a enxergar vítimas de maneira menos preconceituosa.
Um ponto que se destaca antes do início do filme é a equipe envolvida, com mulheres em praticamente todos os cargos de chefia de departamento. O roteiro, baseado no livro de Jodi Kantor e Megan Twohey, é adaptado por Rebecca Lenkiewicz, conhecida pela escrita de Ida e Desobediência. Soma-se a ela a diretora alemã Maria Schrader, que também obteve muito sucesso recentemente dirigindo a minissérie Nada Ortodoxa, que também tange a temática feminista. A diretora de fotografia Natasha Brier também é uma conhecida de Hollywood, trabalhando tanto em videoclipes quanto longas, como Demônio de Neon. A diretora de arte Meredith Lippincott também trabalhou em projetos com protagonismo feminino, como Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre. Mesmo as atrizes principais, Carey Mulligan (que interpreta Megan Twohey) e Zoe Kazan (que interpreta Jodi Cantor) são conhecidas pela atuação de personagens fortes. Houve uma tentativa de trazer ao projeto uma equipe coesa e cujos projetos anteriores dialogassem criticamente, o que reforça a mensagem do filme sobre criar equipes que deixem todos os envolvidos seguros. Só se destaca nesse ponto Brad Pitt, que é produtor executivo e que detinha direitos sobre a adaptação do livro - mas que talvez tenha uma relação afetiva com a obra por ter namorado duas mulheres que relataram experiências negativas com Weinstein.
A consequência é um filme igualmente coeso e que consegue contar uma história complexa de maneira que pessoas sem nenhum grau de conhecimento sobre jornalismo conseguem compreender. Isso vem principalmente através do trabalho da roteirista, que simplifica as ações do livro sem que elas percam a coerência, assim como não mostrando detalhes jurídicos específicos, mas sim as possíveis consequências desastrosas de fazer uma reportagem de tamanha magnitude. Entram nesse esforço a diretora e atrizes principais, que conseguem manter o ritmo da obra em uma crescente, com as incertezas e dificuldades que permanecem surgindo. Todos os elementos se encaixam perfeitamente para obter a maneira mais eficiente de contar uma história que é, por si só, poderosa.
A obra felizmente evita a repetição de cenas de abuso, e opta por trazer as próprias pessoas, ou pelo menos suas vozes, relatando os ocorridos. Apesar de parecer uma questão muito simples, essa sensibilidade deixa claro seu posicionamento sobre como vítimas de assédio sexual devem ser respeitadas. Por outro lado, há pouca inovação formal no modo que a história é contada, chegando a ser um pouco procedural - e previsível para quem conhece, mesmo que parcialmente, o ocorrido.
É um caso no qual a mensagem ultrapassa a questão do formato, sendo uma obra extremamente necessária ainda em 2022. Ao mesmo tempo, um excelente sinal de que os tempos estão mudando, mas com uma pequena ressalva de que ainda há muito pelo que lutar.
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