Aviso: Este filme trata de assuntos sensíveis. Recomenda-se ponderação.
Saela Davis e Anna Rose Holmer são colegas de trabalho desde The Fits, que nunca foi lançado no Brasil e trata da dificuldade de inclusão e aceitação de uma garota queer e negra de 11 anos. Após este trabalho de sucesso, elas assumem a co-direção de Criaturas do Senhor, mais um filme com temática espinhosa, falando sobre os limites entre relações entre pais e filhos, mostrando que não têm medo de explorar a fundo as partes menos expostas dos seres humanos.

No filme, Brian (Paul Mescal) retorna para a sua família em uma pequena cidade australiana, após passar um período na Austrália. Isso gera atritos na família O’Hara, com sua mãe Aileen (Emily Watson) o defendendo e tentando inseri-lo naquele contexto enquanto o pai Con (Declan Conlon) duvida de suas boas intenções. Na medida em que ele começa a se envolver em problemas na cidade, inclusive sendo acusado de estupro por Sarah Murphy (Aisling Franciosi), discute-se exatamente a relação entre mãe e filho, e o quanto ela pode se afastar de sua própria moralidade para protegê-lo
É estranho pensar no deslocamento de duas diretoras estadunidenses se deslocando para a Irlanda para contar uma história que só poderia se passar naquele espaço físico, e que utiliza atores da região para dar mais veracidade ao texto e sotaques. No entanto, essa escolha acaba se tornando acertada ao considerar o excelente trabalho realizado com a equipe de atores, conseguindo em conjunto fazer com que as atuações sejam o ponto forte da obra, ainda mais em um momento no qual Paul Mescal está em alta após sua atuação em Aftersun.
Com um desenvolver bastante lento e verborrágico e que depende muito dessas atuações para se tornar crível, é exatamente ao não conseguir explicar as motivações dos personagens que ele pode perder parte significativa da plateia. Apesar de ficar clara a maneira que os personagens agem, ainda existe a sensação de que faltam informações para que se embarque na jornada e crie a empatia necessária para compreender como Brian chegou à sua personalidade atual e como sua mãe permanece fechando os olhos para todos os seus defeitos.
Ao utilizar locações e fotografia que tornam o ambiente quase como de um conto ou de uma fábula, em uma pequena cidade isolada da Irlanda, cercada por mar e distante da realidade da maior parte de seus espectadores, até se inicia a criação de um clima que permitiria personagens mais planos. No entanto, exatamente por envolver sentimentos mais complexos, o resultado acaba sendo ainda insatisfatório. O contraste criado entre as imagens da natureza e dos espaços ocupados por humanos é plasticamente bela, mas não encontra uma contrapartida na narrativa.
Ainda que Emily Watson consiga manter o tom dramático de maneira excepcional, é difícil para uma plateia dos anos 2020 compreender seu drama considerando a gravidade dos atos do filho. Apesar de ser um filme sobre o interior da Irlanda, a falta de identificação com o modo que as pessoas agem torna difícil a aproximação com a obra.
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