Amor(es) Verdadeiro(s) (Andy Fickman, 2023)
Talvez um dos nomes mais comentados na cultura pop no último ano tenha sido o de Taylor Jenkins-Reid, escritora do livro homônimo e corroteirista do longa-metragem Amor(es) Verdadeiro(s). Além da produção da série Daisy Jones and The Six, lançada na Prime Video, também foi anunciada uma produção cinematográfica de Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, ambos adaptados de livros da escritora. Como na maioria dos livros da autora, parte-se de um sentimento humano extremamente complexo para criar uma trama: Emma (Phillipa Soo) se casou com seu namorado do colégio, Jesse (Luke Bracey) e vive uma excelente vida com ele até que ele sofre um acidente e é considerado morto. Após ela conseguir seguir com sua vida, chegando a ficar noiva de Sam (Simu Liu), Jesse reaparece e a deixa com a complexa questão de como seguir a sua vida amorosa com um noivo e um marido, sendo todos eles monogâmicos.

Apesar da temática que poderia ser profunda, o caminho escolhido pela obra para tratá-la é o de uma comédia romântica leve e com mais momentos de humor do que discussões mais profundas. E a primeira decisão confusa ocorre já no início do filme, quando cenas de flashback da adolescência dos envolvidos começam a surgir através de fades to black que continuam acontecendo durante grande parte do filme de maneira quase aleatória, perdendo qualquer senso de continuidade de uma linha temporal de base.
Soma-se a isso um roteiro que não consegue criar personagens profundas, e ainda que mostre o amadurecimento, não consiga criar diálogos críveis. Mesmo decisões simples, como o que fazer com o retorno de Jesse, resultam em soluções estranhas como a escolha por transar com os dois homens, em um momento em que Emma parece estar destruída emocionalmente. Ainda que se chegue a um final condizente com a situação, ele parece ser tirado de uma situação que acontece fora do filme, pois não há momentos que explicam a decisão. E a falta de uma explicação sobre a sobrevivência de Jesse, ainda mais quando se inserem sugestões de um stress pós-traumático, faz com que o espectador não consiga compreender sua situação de maneira mais complexa, causando uma ausência de empatia. Neste sentido, Sam é o personagem que o roteiro torna mais interessante, seja pela situação em que ele se encontra, por sua solução para situações e pelo carisma de Simu Liu ao dar vida ao personagem.
Apesar de essa não ser uma crítica em relação à adaptação do livro ao cinema, ela gera a vontade de ler a obra original para compreender se existe algo que não foi bem traduzido para as telas ou se simplesmente é um livro menos interessante da autora que ganhou destaque apenas pelo seu nome em alta nos últimos meses. Ainda que existam ideias originais e que poderiam desembocar em reflexões mais profundas, o longa-metragem não consegue encontrar esse ritmo e cria uma comédia romântica adolescente e genérica.
A distribuição do filme no Brasil está sendo realizada pela Diamond Films. Verifique a programação na sua cidade.
Velozes e Furiosos 10 (Louis Leterrier, 2023)
Quando a temática do Met Gala de 2019 foi lançada como Camp: Notes on Fashion, houve uma corrida dos veículos especializados em moda para explicar o que este termo peculiar significa. Muito se falou sobre a cultura de exageros e opulência, sobre a estética que abraça a paródia de si mesma, mas pouco se falou sobre a sua importância na cultura LGBTQIA+, que sempre a utilizou como uma maneira de resistência ao mundo excludente e heteronormativo que nos marginaliza. Entrando na conexão do universo camp com a franquia Velozes e Furiosos, ela parte de um questionamento muito honesto e pessoal: por que eu, uma mulher feminista, bissexual e treinada para lutar exatamente contra tudo o que esse filme mostra em tela, continuo abraçando e ansiando por novos filmes? E mais, como eu consigo observar que várias pessoas de minorias também continuam seguindo sem duras críticas aos filmes?

Retornando ao texto original de Susan Sontag, Notas sobre Camp (1964), percebe-se o trabalho em delinear toda a história do que ela chama de sensibilidade camp para então explicar como se criou essa aproximação com o universo homossexual. Ela também explica como o exagero é utilizado como uma espécie de paródia fora do senso moral, permitindo que coisas que poderiam ser julgadas pela sociedade conseguem, através do camp, se safar.
E não seria Velozes e Furiosos uma grande demonstração camp do que Hollywood nos vende do universo heterossexual e cisnormativo? Entre o excesso de homens musculosos, um senso extremamente latinoamericano de família e de fé, mulheres quase sem roupa e carros muito rápidos, evolui-se aos extremos de filmes em Tóquio e no Rio de Janeiro, chegando até ao exagero de sair da órbita terrestre. E as obras não se levam a sério sobre isso, criando autorreferências e agrados ao público que acabam as elevando ao status de filme realmente gostado ao invés do prazer culposo que se sente ao ver outras obras abertamente machistas e banhadas em testosterona.
Com tudo isso em mente, o que Velozes e Furiosos 10 faz é novamente conseguir adentrar nesse universo e trazer a sensação de nostalgia e adrenalina que permeiam toda a franquia. Partindo do pressuposto de Dominic Toretto (Vin Diesel) de que a família é a coisa mais importante de sua vida, surge um novo vilão, Dante (Jason Momoa) que deseja fazê-lo sofrer ao ameaçar seu maior bem. Para tal, há uma série de reviravoltas, muitos planos perfeitos e muitas, muitas cenas de corridas de carros.
A maior parte das críticas que pode ser feita à obra são sobre o seu exagero: as atuações cada vez mais caricatas, o roteiro que consegue envolver absolutamente todos os enredos de filmes anteriores através de deus ex machinas, as corridas absurdas. Mas seria igualmente incorreto criticar a obra por ela se manter fiel ao que ela se propõe desde 2001, com o lançamento do primeiro Velozes e Furiosos. Pelo contrário, pode-se admitir que o diretor consegue trazer o filme a um universo quase mais acessível (no planeta Terra, sem muitos carros voando), retornando às suas origens para criar a sua trilogia de encerramento.
Os atores que se juntam ao grande elenco, Brie Larsson como Tess, filha do Mr. Nobody, e Jason Momoa como o grande vilão, conseguem entender essa essência e manter as atuações no mesmo tom: Tess e Dante são os dois lados da mesma moeda em relação ao senso de família e os atores não tentam se conter para deixar isso claro. Há ainda uma fotografia excelente, que consegue deixar claro quais são todas as ações em um filme cheio de lutas e corridas, e a trilha sonora que homenageia vários outros momentos da franquia. Até a falta do uso do português brasileiro no Rio se safa quando o que acontece na cena é tão absurdo quanto isso.
Seguindo a linha dos outros filmes, não há grandes surpresas senão o reencontro do elenco e a atuação de Momoa. E esperamos que a franquia continue não se levando a sério, pois isso poderia resultar em um final desastroso.
A distribuição do filme no Brasil está sendo realizada pela Universal Pictures. Verifique a programação na sua cidade.
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