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Estreias da semana: O Urso do Pó Branco, Noites Alienígenas, Sombras de Um Crime e Um Samurai em SP

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

O Urso do Pó Branco (Elizabeth Banks, 2023)


De passagem do Urso pelo palco do Oscar até piadas em redes sociais durante a época do Super Bowl, provavelmente O Urso do Pó Branco foi provavelmente um dos filmes mais esperados pela cultura pop nesse início de ano. Criando uma ficção a partir de uma história real que parece fictícia, o longa-metragem se inicia quando um traficante despeja a cocaína que carregava em meio a um parque nacional estadunidense e se joga do avião, em um esquema de tráfico bastante peculiar. No entanto, quem encontra a droga em solo é um urso - e aos poucos os humanos percebem o quão complexo esse erro pode se tornar.



Em uma mistura entre humor e horror bastante peculiar, o filme não economiza nas mortes violentas ou no uso de drogas. Com um roteiro simples e direto de humanidade versus animais selvagens, o que o diferencia são os detalhes hilários que vão desde crianças experimentando drogas até o drama pessoal de Kid (Aaron Holiday), garoto de uma gangue local que buscava apenas a am izade. É essencial que se vá ao cinema com as expectativas corretas de assistir a uma grande viagem em tela baseada em um urso chapado. Mas, tendo isso em mente, o delírio coletivo que ocorre em tela é bastante divertido.

O que transborda da tela é o alinhamento entre elenco, diretora e equipe em criar algo leve e divertido - na medida do possível, dado que há desmembramentos. Todos compram a ideia de fazer algo completamente descolado da realidade e se divertem com isso, fazendo as piadas mais óbvias o possível com o consumo de drogas e trazendo referências oitentistas que combinam perfeitamente com o clima da obra. Surpreendentemente, mesmo trazendo todos os clichês possíveis, a loucura é tanta que não é possível prever qual será o próximo passo, mantendo a expectativa do espectador.

Há uma miríade de personagens, mas suas histórias individuais são menos relevantes que os núcleos formados: primeiro, há a mãe solteira com filha rebelde, que foge para o parque com um amigo para matar aula; depois, há a dupla de policial homem branco e policial mulher negra, que fica o trazendo de volta para resolver a situação; os traficantes que precisam recuperar as drogas, mas um deles está em crise depressiva; há também o grupo de adolescentes que assola o parque com seus pequenos crimes; a guarda florestal apaixonada por seu colega que deseja ter uma grande carreira; o casal que queria apenas fazer uma trilha; e por fim, o Urso, que consegue mudar de animal ameaçador a fera fofa em apenas alguns segundos. Se o espectador espera profundidade e alguma lógica muito clara desse encontro, certamente irá se decepcionar. Mas com a mente aberta, é possível dar boas risadas.

Elizabeth Banks mostra que consegue acertar perfeitamente o tom de humor como diretora, e orquestrar boas performances dos atores mesmo nos momentos mais absurdos propostos pelo roteiro de Jimmy Warden, que também está apenas no seu segundo longa-metragem como diretor.


Noites Alienígenas (Sérgio de Carvalho, 2023)


Desde a 43ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo o filme acreano Noites Alienígenas tem aguçado a curiosidade dos espectadores brasileiros, algo que só se confirmou com suas vitórias no Festival de Gramado (6 prêmios, incluindo melhor filme). Contando diversas histórias de moradores de Rio Branco, fala-se sobre a vida na região Norte e os movimentos recentes de ida de facções criminosas do Sudeste para o Norte.



O roteiro é baseado em um livro homônimo de Sérgio de Carvalho, com uma grande atualização no roteiro exatamente por conta da alteração da violência urbana e influência do contato globalizado, como ao mostrar o slam de rap organizado pelos jovens. Ao mesmo tempo que ele tem uma narrativa clara de acompanhar alguns núcleos principais, é justamente a sua maleabilidade que o torna especial. Ele não subestima seus espectadores, e tem uma estrutura sólida o suficiente para que os mais acostumados ao cinema estadunidense consigam acompanhá-lo.

Aos poucos, conhecemos o desenrolar de diversas histórias que envolvem principalmente Rivelino (Gabriel Knoxx), Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo). Rivelino nos apresenta o mundo do rap e do grafite, fazendo suas artes de discos voadores que remetem ao título do longa. Sandra mostra a vida da mãe jovem e solo, que luta por uma ascensão econômica. Paulo, por sua vez, mostra os horrores da dependência química e a relação de indígenas que vivem em grandes cidades com a sua ancestralidade. E, costurando todos esses conflitos, há ainda a amizade, a família e outros valores sendo valorizados e ressignificados, na medida em que é adentrado um Brasil que poucos de seus moradores conhecem.

Essa flexibilidade apresentada no roteiro é acompanhada pela técnica do longa. Utiliza-se em diversos momentos a câmera na mão para flutuar entre as histórias e as paisagens urbanas de Rio Branco. Ao mesmo tempo, há um trabalho intenso de iluminação nas cenas noturnas que ajuda a criar tensão, e também para criar o clímax do filme de maneira delicada ao invés de violenta.

A trilha sonora, além de colocar em foco artistas brasileiros, é essencial para o desenvolvimento da obra. Por conta da importância do rap na vida desses jovens, há um destaque para ele, mas são as cenas inicial e final que impactam o espectador através de clássicos brasileiros. Chico Diaz, apesar de sua pequena participação como o traficante Alê, revela uma atuação delicada e humanizadora.

O resultado é um filme que trata de uma diversidade de assuntos sem ser superficial, e q que conversa com diversos públicos por apresentar uma realidade assustadoramente brasileira: a presença da violência urbana em grandes cidades. Uma obra que consegue trazer o regional para o global e que, certamente, fará bastante sucesso no Brasil e internacionalmente.

O filme está sendo distribuído pela Vitrine Filmes. Verifique as sessões na sua cidade.


Sombras de Um Crime (Neil Jordan, 2023)


Hollywood sempre dependeu bastante das adaptações e continuações de histórias já contadas. Se no início do cinema isso acontecia através de adaptações literárias ou de peças e depois musicais famosos, atualmente muito se fala sobre a quantidade de obras que estão entre os mais assistidos do ano que são continuações. E isso também acontece com os personagens, como James Bond e Batman, que muitas vezes foram vividos por diferentes atores e em através de diversas interpretações. E é exatamente tentando seguir essa fórmula de sucesso que, após mais de 40 anos tenta-se reviver o personagem Philip Marlowe, o investigador que teve seu ápice durante o film noir (subgênero de cinema policial, com toques de romance e influência estética do expressionismo alemão).



Sombras de Um Crime utiliza muitas das referências do film noir, da presença de uma femme-fatale (em tradução livre, fêmea fatal), o uso de iluminação contrastante, o fato de as pessoas estarem o tempo inteiro fumando. Conhecemos a história de Marlowe (Liam Neeson), o detetive particular que é contratado por Clare Cavendish (Diane Kruger) para encontrar o seu amante desaparecido. No processo, ele se envolve também com a mãe de Clare, Dorothy (Jessica Lange), que não admira as escolhas afetivas da filha.

O diretor inclusive faz uma ótima adaptação estética com o contraste saindo do preto e branco, criando um visual único e que atrai os espectadores. Ele utiliza muito bem o estilo de contrastes e sombras somado às belas locações para criar um visual moderno para eventos que teriam ocorrido no passado. Isto somado ao elenco de peso e ao diretor de renome (responsável por Entrevista com o Vampiro e Traídos Pelo Desejo) são pontos que levariam a uma conclusão de um potencial excelente para o filme, mas infelizmente ele falha em cumprir quaisquer expectativas.

O que torna o filme tedioso é principalmente seu roteiro, com personagens unidimensionais e que, quando colocados em tela exatamente como eram retratados nos anos 1940, já não representam nenhuma crítica social, sendo apenas um espectro do que eles foram no passado. Ao invés de atualizar tanto a trama quanto esses tropos, perde-se completamente a oportunidade e é criada uma trama repetitiva e que pouco acrescenta ao gênero.

É realmente a falta de proposições que incomodam, desde a visão política entre México e Estados Unidos até a mãe e filha que competem pelos afetos do mesmo homem. Os diálogos soam falsos, e não auxiliam os atores que são obviamente talentosos. Mesmo Liam Neeson, acostumado às cenas de ação, parece desanimado e tem uma fala infeliz sobre sua própria idade, lembrando aos espectadores que ele chegou aos 70 anos.

O longa-metragem acaba se tornando um bom argumento para aqueles que reclamam sobre a repetição de histórias em Hollywood, ainda que se saiba que uma história clássica pode ser recontada de maneira eficiente.


Um Samurai em São Paulo (Débora Mamber, 2023)


Pensado a partir de uma aproximação entre histórias de vida, Débora Mamber realizou um documentário sobre Taketo Okuda, mestre de karatê que viveu grande parte de sua vida em São Paulo. A neta de sobreviventes do Holocausto, que também foi aluna de Okuda, compara a situação de judeus e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial e a partir disso, cria uma narrativa que tanto homenageia o mestre quanto reflete sobre a arte marcial e a vida de Débora. Com imagens impressionantes e que conseguem contar a história de Okuda, é feita também a comparação com samurais, classe de servidores guerreiros cujo código de honra tem reflexos até hoje tanto na sociedade japonesa quanto no Ocidente.



No entanto, essa relação é um pouco forçada ao se refletir que enquanto os judeus estavam sendo exterminados pelos nazistas europeus, o Japão era membro do Eixo, aliado aos alemães - ainda que ambos tenham sofrido as mazelas da guerra. A partir disso, a comparação histórica se torna apenas uma construção narrativa para poder trazer o entrelaçamento entre a história pessoal e a de Okuda. Ao mesmo tempo, é trazida bastante informação sobre a criação e difusão do karatê, o que trás bastante luz à popularidade da arte marcial inclusive no audiovisual.

A memória conservada por Mamber do Sensei que deixou as disputas para criar uma escola voltada para o desenvolvimento pessoal é importante em um país que reluta em manter sua história documentada. Com a premissa de que ao esquecermos o passado é possível permanecer cometendo os mesmos erros no presente - algo que fica claro nos últimos minutos do filme - compreende-se o posicionamento da diretora. Seu viés jornalístico também muitas vezes transborda do roteiro, algo que é evitado pelos documentários modernos, mas que não atrapalha o ritmo da narrativa de apenas 70 minutos.

É interessante que um pequeno filme, feito quase como um projeto pessoal, tenha conseguido uma distribuição comercial significativa, um grande feito de Mamber como produtora. A relevância do tema e a boa construção da narrativa firme conseguem torná-lo conciso e pertinente, ainda que o estilo pensado seja um pouco desatualizado.


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