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Estreias da Semana: Sede Assassina, Seus Ossos e Seus Olhos e Tinnitus

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Sede Assassina (Damián Szifron, 2023)

Quando Relatos Selvagens estreou em 2014, ele logo se tornou uma febre por sua alta capacidade de diálogo com públicos diferentes, por tratar de sentimentos humanos simples aplicados a situações extremas e em histórias curtas, formato que tem retomado grande espaço com o público. Tendo sido um dos maiores sucessos comerciais da história do cinema argentino, o diretor logo se encaminhou para Hollywood. Lá ele tem alguns projetos em andamento e dirigiu Sede Assassina, projeto de sua autoria e co-roteirizado por Jonathan Wakeham, que tem foco em escrita de comédias.



Longe do sucesso estrondoso da obra anterior ou da dose inventiva e cínica da obra anterior, este projeto foca em um gênero de muito sucesso na história do cinema, mas que não tem sido grande foco do cinema comercial nos últimos anos, o thriller policial. Acompanhamos o processo de investigação de um criminoso que assassinou diversas pessoas na noite de ano-novo a partir do ponto de vista de Eleanor (Shailene Woodley), uma policial que demonstra talento para lidar com esse crime. Ela é recrutada por Geoffrey Lammark (Ben Mendelsohn), investigador do FBI que percebe essa qualidade ao conhecê-la na cena do crime.

O que se desenvolve é um roteiro bem estruturado em três atos, mas que não traz nenhuma novidade ao gênero. Sua maior qualidade acaba sendo a humanização das figuras tanto da policial, que mostra fragilidade emocional, quanto do criminoso, algo que é incomum neste gênero, que normalmente cria a figura do serial killer como um monstro. As qualidades já demonstradas pelo diretor em relação às escolhas estéticas de direção de arte e fotografia se encontram com uma boa direção de atores, mas o frescor que ele alcançou com o longa anterior se perde em toda a seriedade que este filme transmite. Também por ser uma história mais longa, há a possibilidade de buscar os pormenores da personalidade de cada personagem ao invés da criação do estereótipo feito na comédia, e neste processo há uma generalização que faz com que cada personagem se torne um pouco genérico e pouco memorável.

Ainda assim, a atuação de Shailene Woodley ganha destaque por capturar esses momentos emocionantes mais impactantes e trazer o espectador para a sua perspectiva. É impossível não recordar de Clarice Starling, de O Silêncio dos Inocentes, pois a mistura entre sua sensibilidade e a capacidade cognitiva são os elementos que a tornam única, e Woodley consegue transmitir perfeitamente este equilíbrio (e, por vezes, desequilíbrio). Já para Mendelsohn, seu personagem acaba não permitindo muito espaço para a inventividade: um homem sério, cuja única característica interessante parece ser o fato de ser gay, algo que é jogado na trama levianamente e causa pouco impacto e pouco sentido, com sua sexualidade sendo utilizada apenas como um gancho de roteiro.

O resultado é uma obra que entretém o público que sente saudades do gênero, mas não acrescenta muito ao que já era feito nos anos 2000 com a exceção da atualização da vigilância em um mundo onde tudo é gravado na maior parte do tempo. Ele não é memorável, mas cumpre sua função - o que é uma pena dado o potencial que os envolvidos na produção como um todo possuem.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Diamond Films. Verifique a programação na sua cidade.


Seus Ossos e Seus Olhos (Caetano Gotardo, 2019)

O oposto do filme anterior é o que ocorre com a obra de Gotardo, que apesar de filmada em 2019 apenas agora chega ao cinema comercial, fora do circuito de festivais. Ao invés de se aproximar do cinema tradicional, ele busca inspiração nas vanguardas europeias dos anos 1960, somando uma linguagem de realismo fantástico característico da América Latina. Com um roteiro simples, que repete falas em contextos diferentes e mais declama do que dialoga, vê-se um recorte muito específico da vida de João, um jovem cineasta interpretado pelo diretor. Entre momentos com seu namorado, Álvaro (Vinicius Meloni) e a amiga Irene (Malu Galli), há o espaço para conhecer e se relacionar com Matias (Carlos Escher), o que preenche o recorte que vemos de seus dias.



Algo que fica claro desde o primeiro momento é o interesse de deixar claro que o que vemos é um filme, lembrando o próprio espectador através do descompromisso com o realismo. Assim, apesar de não haver questões técnicas como a fotografia móvel e a edição aparente da nouvelle vague francesa, ou mesmo no Cinema Novo brasileiro, há uma clara ligação temática entre eles. Através da repetição e dramaticidade com que as falas são encenadas, acaba-se chegando ao mesmo questionamento sobre o cinema e seus limites sempre em expansão.

Há um claro recorte branco, de classe média-alta e gay, mas as falas deixam clara a consciência sobre essa condição e sobre as especificidades e hipocrisias que ela envolve. O longa cria então camadas de autocrítica e análise de seu próprio contexto. Há também uma forte influência da comunicação, dança e contato corporal, pois todos os movimentos que parecem difíceis no contato íntimo têm a sua contraparte na dança solitária ou na intimidade da amizade.

A obra, que é de 2019, ganha uma nova camada de significado após uma pandemia global que impediu que esses encontros presenciais acontecessem. Os atos de falar, ouvir e poder ter uma troca física com uma pessoa mudaram significativamente nos últimos anos, e assisti-lo em 2023 se torna uma experiência diferente, com o lançamento em 2023 fazendo sentido mesmo após anos de sua primeira exibição.

Ainda que não seja um filme que o espectador mais acostumado com referências de um cinema estadunidense clássico vá gostar, ele ainda é uma boa porta de entrada para quem quer começar a explorar o cinema independente. Uma certeza é garantida: que o espectador vai conviver com as dúvidas levantadas pela obra por alguns dias em sua cabeça.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Descoloniza Filmes. Verifique a programação na sua cidade.


Tinnitus (Gregorio Graziosi, 2022)

Depois de um grande sucesso crítico em Obra (2014) Gregorio Graziosi volta aos cinemas com um novo longa-metragem que remete a obras clássicas do cinema alternativo através de homenagens e semelhanças temáticas. Agora, aborda a relação profunda entre duas mulheres, Marina (Joana de Verona) e Luisa (Indira Nascimento). Já em sua introdução somos apresentadas à dupla de mergulhadoras sincronizadas, que estão na disputa por uma medalha olímpica enquanto a doença auditiva de Marina começa a dar seus sinais de ápice. Passamos a obra entendendo o ponto de vista de Marina após este acontecimento, incluindo consultas médicas com quem se tornaria seu esposo, Santos (André Guerreiro) e a compreensão e consequente luta contra a nova condição. Renegada ao espaço de sereia do Aquário de São Paulo, ela passa a buscar reconstruir sua vida até que a nova parceira de Luisa, Tereza (Alli Willow), tenta iniciar uma reconciliação.



A temática é tratada de maneira onírica, importando menos o realismo do que as sensações passadas. Isso já se apresenta em seus créditos iniciais, que trazem um forte som junto a grafismos em tela logo no momento do acidente, conseguindo traduzir a aflição da personagem para os espectadores. Isso se repete ao longo de todo o filme, que tem um desenho de som excelente na sua função de incômodo e reflete em quem assiste a posição de falta de pertencimento e incômodo que a personagem sente, buscando entre seus afetos uma compreensão de sua doença. E há um trabalho de roteiro e direção que consegue amplificar essa situação, com cenas que parecem repetidas de pessoas ignorando seus pensamentos e pontos de vista e se propondo à fala em seu lugar.

Isso é contraposto pelo personagem de Antônio Pitanga, que traz o contraponto reflexivo e acolhedor da narrativa, utilizando um ator icônico da cinematografia brasileira como uma espécie de mentor para a vida da personagem. Se em Obra o diretor apresenta uma São Paulo caótica, agitada e claustrofóbica, é impressionante como o novo filme parece tratá-la com mais calma, principalmente na cena da subida no terraço do prédio. Entre a apresentação de alguns de seus pontos icônicos como o Teatro Oficina ou a decoração da Liberdade, percebe-se que Marina é o ponto de incômodo, sempre saindo brutalmente dos ambientes e relações nas quais se encontra.

Mas na medida em que todas as relações marginais são exploradas, foge o tema mais interessante do filme, a relação simbiótica entre amigas de infância que se tornam parceiras no esporte. Longe de ser um filme sobre a questão esportiva, ele serve de pretexto para a compreensão dessa conexão perdida. Isso poderia ser refletido pela obra com mais reflexos dessa relação, mas há uma esterilidade afetiva para tratá-la. Ao invés de seguir para um território Lynchiano, parece haver sempre uma âncora na realidade que impede o andamento do onírico. Essa decisão leva a um estilo bastante único para o diretor, ainda que cause mais angústia ao espectador.

Longe de ser um grande body-horror (horror corporal) sobre a perda da audição, há uma pessoa buscando por si mesma após uma mudança abrupta e que faz o questionamento da própria identidade. Há um sucesso imenso em conseguir trazer este elemento ao público de maneira que oscila entre o real e o sonho, trazendo à obra seu aspecto único. É mais uma boa pedra sendo colocada na fundação do diretor.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Imovision. Verifique a programação na sua cidade.

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