The Flash (Andy Muschetti, 2023)
Admito que o processo pelo qual eu passei para assistir ao filme The Flash me desestruturou um pouco. Se eu não estava ansiosa considerando todas as polêmicas envolvendo Ezra Miller, que atuou como o herói e está atualmente internado em recuperação de sua saúde mental, saber que este seria o primeiro filme sob o comando de Peter Safran e James Gunn na DC ajudou a criar certa expectativa. Além disso, a possibilidade de participar da round table com o diretor em sua passagem por São Paulo a convite dos meus colegas do A Odisseia também permitiu o aumento desta empolgação. Dito isso, apesar de não ser uma grande defensora de que deve-se separar o artista da obra, aguardarei os desdobramentos do caso para conseguir elaborar meus sentimentos em relação a Miller.

Nesta obra, explora-se o início de um multiverso da DC, através do momento em que Barry Allen percebe que consegue correr rápido o suficiente para voltar no tempo, e tentando evitar que sua mãe seja assassinada, acaba criando uma complexidade temporal. Apesar de ser um roteiro com bases bastante simples, são os detalhes da direção que permitem que o espectador se divirta com a obra. Inclusive, tendo como uma de suas primeiras cenas um momento em que Flash precisa salvar bebês, já se define o tom cômico e leve que terá o resto da obra.
Existem questões básicas, como um CGI estranho em algumas cenas e a necessidade de colocar milhares de referências para os fãs, que são bastante óbvias e um sinal de um DCEU em crise. Ainda assim, a história comovente do rapaz que tenta lidar com o luto da ausência de seus pais faz com que o espectador se emocione com o filme e acabe saindo da sessão com bastantes reflexões sobre o tempo - sua passagem, a existência ou não de destino, as melhores maneiras de lidar com as perdas. E, por mais que seja difícil admitir, parte desta emoção se dá por conta da atuação de Ezra Miller como as duas versões de Barry.
As escolhas narrativas de direção também criam uma camada de qualidade na obra, com a criação de uma estética bastante específica que se manifesta claramente nas cenas de viagem no tempo e no momento em que os multiversos começam a se encontrar. Ambas revelam uma sagacidade por trás das câmeras que podem ser um indicativo de um futuro melhor para os personagens da DC, com mais estilização e marcas de autoria. As escalações para além de Miller de Sasha Calle como Supergirl e Michael Keaton como Batman alternativo, também mostram um respeito com o universo criado anteriormente equilibrado por um mundo moderno e multicultural.
Por enquanto é impossível saber se essas tendências vão se confirmar nas próximas produções da DC, mas indicam um caminho que será bastante interessante se levado a sério e realmente bem planejado. Assim como o Barry do universo alternativo, podemos terminar a obra com a esperança de que melhores tempos virão para a competição pesada com Guardiões da Galáxia vol. 3 e Homem-Aranha: Através do Aranhaverso.
Bem-Vindos de Novo (Marcos Yoshi, 2021)
A pluralidade brasileira é um claro fruto das políticas de incentivo à imigração, tanto no período pós-Abolição da escravatura quanto no início do século passado, quando grande parte do mundo estava em guerra. É raro que algum cidadão não tenha alguma história de imigração nas gerações passadas. No entanto, o que Marcos Yoshi mostra em seu documentário é uma particularidade da imigração japonesa, mas que de certa forma pode ser transposta para diversas realidades familiares.

Em seu caso, os pais saíram do Brasil durante a sua juventude enquanto ele era jovem para trabalhar no Japão e voltaram depois de 13 anos. O que se inicia como uma reflexão sobre a adolescência sem essas figuras aos poucos se transforma, levando o pensamento para as diferenças geracionais e possíveis ciclos de pobreza no Brasil (e até a sua similaridade com o Japão). Yoshi consegue abordar também as recentes mudanças no comportamento afetivo das famílias e a masculinidade.
Se é a especificidade de sua situação que permite que esta história seja contada, de uma pessoa formada em audiovisual que tenta utilizar o documentário como um elemento de aproximação, a escolha de utilizar a sua voz narrando os acontecimentos não acrescenta muito à obra por sua falta de modulação e dramaticidade. Ainda assim, ela torna os momentos emotivos ainda mais emocionantes, por uma certa compreensão da falta de variedade de tom como reflexo da estrutura familiar complexa. Seu olhar sensível e sua possibilidade de acompanhar os pais por um longo período de tempo, junto ao conhecimento técnico de produção cinematográfica, são os elementos que se encontram para tornar a reflexão possível.
Ainda que tenha um ritmo lento que pode afastar parte do público, a montagem bem-executada e o elemento cultural específico são os fatores aos quais se ater. O cinema como modo de conexão também é um elemento que aquece o coração dos espectadores cinéfilos.
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