top of page

Filmes da semana: Incompatível Com a Vida, Meu Novo Brinquedo, How to have sex e Bottoms

Carol e Jean

Textos por Carol Ballan:


Incompatível Com a Vida (Eliza Capai, 2023)


A tradição brasileira com documentários é longa e, felizmente, continua sendo muito produtiva. Dos curta-metragens documentais de Humberto Mauro sendo exibidos no Festival de Veneza até Democracia em Vertigem (Petra Costa, 2019) sendo indicado ao Oscar, a sua consistência e relevância não podem ser ignoradas. Considerando a possibilidade de Incompatível Com a Vida entrar neste circuito premiado internacionalmente, é fácil perceber que sua elevada qualidade o levaria a este status.



Generosidade não é a primeira palavra que se imagina quando pensamos em gravidezes inviáveis. Tristeza, raiva e decepção certamente estão elencadas muito antes. A grande qualidade da diretora Eliza Capai é conseguir transmitir a intensidade de seus sentimentos de uma maneira mais universal, falando sobre a gravidez de um modo geral ao invés de trazer a narrativa completamente para si e para a sua dor. Porque ela é compartilhada, parece que todas as pessoas retratadas ganham força, e o filme se torna uma cura ao invés de um tratado sobre a dor.


É a sua experiência que guia a narrativa, desde os vídeos gravados durante a gravidez até a clareza sobre as perguntas que desejava fazer. É bom perceber a história sendo dirigida por uma pessoa com sensibilidade ao que as outras mães passaram, mas que ao mesmo tempo ousa fazer as perguntas que geralmente não são feitas. Recentemente, o assunto foi tratado no podcast Jujubacast com a influencer Lia Camargo, que teve uma perda gestacional em uma gestação avançada, e cuja honestidade sobre o acontecido pareceu ter criado uma rede de apoio entre mulheres na mesma situação. O mesmo se repete com esse documentário, que pode trazer algum conforto justamente por deixar claro que estes não são casos isolados, e que é algo que ocorre muito mais do que imaginamos.


Sem melodrama, mas com muita emoção, há um foco em cada narrativa pessoal e suas peculiaridades, dando importância ao aborto e como a sua legalização poderia diminuir o sofrimento de muitas mulheres que já estão em uma situação de muita vulnerabilidade, independemente de sua classe social ou do apoio de seus parceiros. Trazendo o procedimento como uma escolha individual e retratada tanto graficamente quanto através de palavras, cria-se a noção muitas vezes sublimada na discussão de como cada pessoa ou casal prefere passar o seu luto, sendo algumas dessas possibilidades judicialmente negadas.


Com a alternância entre imagens mais tradicionais de entrevistas, o relato visual de sua própria experiência e imagens mais artísticas captadas, existe uma edição que consegue exibir o sofrimento sem tentar romantizá-lo. Misturando uma realidade dura com um pouco de poesia, o assunto se torna mais palpável até para pessoas que, como eu, nunca estiveram grávidas. Em um trabalho que revive o seu sofrimento, a diretora consegue trazer empatia e compreensão - resultando em uma obra que emociona muito, mas mais do que isso, dá a vontade de lutar por um mundo melhor.


O filme está sendo distribuído pela Descoloniza Filmes. Verifique as sessões na sua cidade.


Meu Novo Brinquedo (James Huth, 2022)


Apesar de ter uma carreira duradoura, James Huth não é conhecido por grandes sucessos como diretor ou roteirista. Realizando um remake de um filme francês que fica entre a luta de classes e uma história de amadurecimento, seu maior acerto é no casting, mas mesmo ele não consegue salvar a obra de seus maiores defeitos.



Sami Cherif (Jamel Debbouze) é um homem que vive de bicos em um bairro de classe econômica pobre em Paris, e que recentemente perdeu mais um emprego. Mas sua responsabilidade está aumentando, dado que sua esposa está grávida e prestes a perder o emprego. Então, em uma nova tentativa de trabalho como segurança, acontece algo inesperado: o filho do dono da loja, o jovem Alexandre (Simon Faliu) o escolhe como seu presente de aniversário. Se a premissa parece absurda, a narrativa toda segue tal linha, desde a ideia de se comprar uma pessoa de aniversário até todas as situações que o agora brinquedo passa naquela casa.


Aos poucos, o menino e o homem começam uma amizade improvável, mas sempre marcada pelo abuso por aquele que tem dinheiro - e neste ponto, Faliu consegue interpretar perfeitamente o garoto mimado e com pouca maturidade emocional. Sami vai compreendendo melhor as responsabilidades de se tornar pai, e Alexandre começa a confiar em alguém suficientemente para começar a expor seus sentimentos de luto em relação à mãe. Tudo isso é mostrado de maneira bastante procedural, alternando entre planos e contraplanos para conversa e planos médios para mostrar localizações. Há pouca criatividade em aspectos técnicos, ainda que seja uma obra correta. Tirando as cenas mais divertidas que se passam no bairro de classe baixa, reforçando o estereótipo de “pobre, mas feliz”, o clima consegue ser tedioso mesmo se tratando de uma comédia.


São Debbouze e Faliu que trazem alguma personalidade à obra, com um timing cômico avançado e que consegue trazer humor até nos momentos em que o texto é mais genérico. Com uma corporalidade e ritmo excelentes para o gênero, eles permitem que a obra chegue ao seu final mesmo com o roteiro cansativo e que dá muitas voltas redundantes, sem acrescentar nada à narrativa ou aos personagens. Ao invés de aproveitar a possibilidade de complexificar os personagens dados aos bons atores, insiste-se em utilizar apenas um tom de comédia. Ao longo das quase duas horas de duração, chega um momento em que aquelas piadas repetidas perdem a graça.


O filme está sendo distribuído pela A2 Filmes. Verifique as sessões na sua cidade.



How To Have Sex (Molly Manning Walker, 2023)


A adolescência é um período difícil para quase qualquer pessoa, porque navegar entre o universo infantil e passar para o adulto é um pouco traumático. A diretora e roteirista Molly Manning Walker decide trazer essa confusão a partir de um recorte específico e pouco falado em produções mais recentes: o sexo. A pressão que meninas sofrem para fazê-lo, a competição feminina incitada por ele, a pressão de homens para fazê-lo, tudo ao mesmo tempo e em uma narrativa sensível que envolve amizade e consentimento.



Tara (Mia McKenna-Bruce), Em (Enva Lewis) e Skye (Lara Peake) são as jovens que vão para uma ilha grega Creta perto de sua formatura, em uma espécie de Porto Seguro europeu. Tara é a amiga virgem e que está querendo transar pela primeira vez. Logo elas entram no ritmo de festas incessantes e energia que só seria possível para os jovens de menos de vinte anos, mas acabam percebendo que tinham uma visão idealizada do que seriam as férias e que, infelizmente, elas não eram a solução para todos os seus problemas. E é a energia do roteiro e montagem dos primeiros minutos que, além de introduzir a personalidade de cada uma das amigas, deixa claro qual é o ritmo esperado delas naquele momento.


A obra poderia rapidamente cair em um tom exagerado, mas se destaca exatamente nas sutilezas. Entre a escalação e a atuação de McKenna estão alguns dos maiores acertos, tanto pela sua contraposição física a um mundo maior que a cerca quanto pela sua expressividade, principalmente ao se comunicar com olhares com suas colegas de tela. Há uma transformação física para além da maquiagem e figurino, obtida pelas expressões corporais de uma pessoa que perdeu parte de sua vitalidade. O contraste entre o início e o final de sua jornada é assustador, porém bastante realista quanto a uma pessoa que está começando a ter suas primeiras derrotas da vida adulta.


A sutileza também se espalha para todos ao seu redor. Skye cria uma competição implícita por normalmente receber mais atenção masculina, mas disfarçada de conselhos claramente errados para a amiga. Em tem a interpretação de compreender pelo olhar e evasão da amiga o que aconteceu. Mesmo para o elenco masculino, percebe-se a disputa entre Badger (Shaun Thomas) e Paddy (Samuel Bottomley) em relação às suas conquistas sexuais. E um dos momentos mais desoladores da obra ocorre quando Paddy coloca panos quentes sobre a atitude do amigo, sem que nenhuma daquelas pessoas percebam o quanto o machismo estrutural está moldando esse início de vida adulta.


E mesmo toda a obra se desenvolvendo por consequência do machismo estrutural, a palavra nunca é falada claramente em texto. Mesmo tratando de uma geração mais jovem, que lida melhor com questões de sexualidade, o ciclo permanece o mesmo por conta das sutilezas que são colocadas em telas. Não estamos mais falando de uma situação explícita como um homem agredindo fisicamente uma mulher, e exatamente por isso que o inimigo se torna cada vez mais difícil de combater.


Tudo isso é colocado em uma roupagem moderna, cheia de glitter e roupas coloridas para atrair o público que realmente deveria ser atingido, de adolescentes. Ao invés de embarcar em uma loucura que poderia parecer distante, ele se coloca dentro do cotidiano. Assim, consegue passar uma mensagem essencial sobre consentimento sem necessidade de mostrar nenhuma cena de nudez feminina ou de simples propaganda feminista.


O filme está sendo distribuído pela O2 Play. Verifique as sessões na sua cidade.


Texto por Jean Werneck:


Clube de Luta Para Meninas (Emma Seligman, 2023)


Com a comédia adolescente escrachada, Emma Seligman torna a buscar o olhar feminino no cinema. 


PJ (Rachel Sennott) e Josie (Ayo Edebiri) são as típicas losers do ensino médio. Pouco populares, virgens e socialmente deslocadas, elas criam um clube da luta para meninas para ensiná-las a autodefesa, entretanto tudo não passa de uma tática para atrair as líderes de torcidas que tanto desejam. Emma Seligman carimbou sua estreia na direção com Shiva Baby, uma comédia frenética e ácida que adentra o olhar feminino, e dá continuidade a esse universo em Bottoms com um roteiro mais universalizado, mas seguindo o mesmo estilo. 



A autenticidade de Seligman é ousada por tratar de assuntos como sexo, sexualidade e autoimagem sem papas na língua sob uma perspectiva moderna, masque escorrega por seu ritmo nauseante de tão verborrágico. Claro, esse pé no acelerador faz parte do tipo de humor escrachado que o longa busca causar para tecer críticas a uma sociedade inflada de conceitos, mas murcha de atitudes práticas. Exemplos disso são com os diálogos com o professor pseudo feminista, a representação satirizada da masculinidade frágil personificada pelo jogador de futebol mimado e as próprias protagonistas trambiqueiras, que são falhas em diversos momentos durante sua construção de sororidade dentro do clube da luta. Há bom proveito da argumentação fugaz trazida pelo roteiro - que é assinado pela própria Emma e por Rachel Sennott -, e ele só extrapola por seu humor trash e enjoativo em certos momentos por seus excessos. 


Ademais, Bottoms atinge outro feito com uma abordagem um pouco amadora, apesar de interessante. O filme dialoga com algo pouco explorado no cinema por se tratar de uma indústria dominada por homens, o female gaze - que pode ser traduzido como olhar feminino. Obras como Barbie e Retrato de uma Jovem em Chamas são bons exemplos de como uma realizadora cria uma narrativa para redimir o olhar do espectador frente aos vícios machistas de nossa sociedade. Ainda assim, existem aqueles que não fazem isso tão bem e tornam a sexualizar mulheres ou interpretar equivocadamente o conceito, como Não Se Preocupe, Querida ou Garota Infernal. Bottoms está em um meio termo entre os dois. Ao mesmo tempo que traz as dores e anseios de jovens oprimidas por um sistema construído sob um padrão de mulheres ideal, o longa também coloca as líderes de torcidas na posição de feminilidade desejável pelo olhar erótico de Josie e PJ em relação a elas. É uma discussão muito complexa, e o filme erra ao não se posicionar tão claramente. 


Por fim, independente das nuances turvas que ficam com relação aos detalhes, Bottoms se equipara com A Escolha Perfeita e Fora de Série, outros filmes que destacam de forma perspicaz e divertida as dificuldades da puberdade feminina. Um prato cheio para os fãs do gênero e uma provocação instigante para aqueles que não o são. 


O filme está disponível na Amazon Prime Video.


Comments


Formulário de inscrição

Obrigado(a)

11985956035

©2021 por No Sofá Com Gatos. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page