Argylle - O Superespião (Matthew Vaughn, EUA e Reino Unido, 2024)
Existe uma missão bastante difícil (quase uma missão impossível) em fazer um filme que tem plot-twist seguido de plot-twist funcionar sem perder completamente a atenção do espectador ao quebrar a magia da suspensão de descrença. É necessária uma linguagem específica para que não se desista na primeira grande reviravolta, então quando está acontecendo a quinta e ainda assim estamos nos divertindo, é perceptível que o filme acertou em algum elemento. Esse é o elemento que leva Argylle ao sucesso.

Ainda que algo seja esperado de Matthew Vaughn dado seu sucesso comercial com a série de filmes que misturam ação e comédia Kingsman, é difícil saber o que esperar da obra em suas primeiras cenas. Somos apresentados a Argylle (Henry Cavill), um espião já em uma cena de perseguição, mas tudo, desde seu visual até o absurdo do que está acontecendo em tela, leva a crer que se trata de alguma espécie de paródia. É apenas quando essa cena acaba e somos apresentados à real protagonista, Elly Conway (Bryce Dallas Howard), que entendemos o que se passa: aquele é um livro da autora, que está sendo lido em um lançamento. Mas ao invés de ir para uma estética e mise-en-place completamente realistas, enquanto acompanhamos Elly a sua jornada como autora, ainda fica suspensa uma chave artificial. Uma casa isolada muito bonita, com uma linda bebida, um gato fofo no colo e um pijama xadrez, parece faltar algo para mover a história de mais de duas horas.
O movimento começa a acontecer quando ficção dentro da ficção e realidade dentro da ficção colapsam. Elly conhece o espião Aidan (Sam Rockwell) e descobre que sua vida está sendo ameaçada. A partir desse momento o tom do filme é definido, e é possível abraçar a sua crescente de loucura baseada em filmes de ação dos anos 1980 e muito fan service.
Ao invés de se apegar à construção de uma narrativa mais séria e estruturada, a obra acerta ao aceitar a galhofa e a partir daí construir e desconstruir conceitos clássicos de filmes de ação. Desde o fato de ser um filme sobre espiões no qual o espectador tem que descobrir qual é o próximo passo possível (e o filme ser sempre diferente dessa expectativa) até o casting de atores como John Cena e Henry Cavill, ainda que não seja uma obra de grande profundidade filosófica, percebe-se que foi estruturada em um roteiro bem pensado para não cair na obviedade. O mesmo roteiro aproveita para fazer pequenas brincadeiras com o público que o ajudam a mantê-lo interessado, como a atriz principal que retira o salto alto para correr (em referência à cena polêmica de Jurassic World) e também um detalhe final que não será citado por conta de spoilers, mas que é o óbvio do que todas as pessoas da comunidade leitora espera de uma dupla de agentes.
Embalado por uma trilha sonora deliciosamente nostálgica, o exagero passa a funcionar a favor da obra ao invés de contra ela. Isso dá a coesão interna necessária para que a plateia simplesmente esqueça a passagem do tempo e vibre pelo filme pela sua duração - ainda que seja possível que no dia seguinte ele já seja esquecido. O que certamente não será esquecido é Alfie, o simpático gato do longa-metragem que mostra que a representação de gatos como animais traiçoeiros está ultrapassada em Hollywood.
O filme está sendo distribuído no Brasil pela Universal Pictures. Verifique as sessões na sua cidade.
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