A esquecível “Última Viagem de Demeter”.
Texto escrito por Henrique Debski
É muito pertinente refletirmos acerca da importância de Bram Stocker para o terror quando o mesmo, através de sua obra “Drácula”, inspirou inúmeras produções nos últimos cem anos, incluindo filmes, séries, jogos de videogame e muito mais.

No entanto, existe um recorte de sua obra que até o presente momento não me recordo de ter sido explorado com profundidade, e esse é justamente a “Última Viagem de Demeter”, navio que o personagem utiliza como transporte para viajar da Romênia para a Inglaterra.
E a ideia de construir um filme para abordar essa viagem tinha grande potencial, ainda mais quando dirigido por André Øvredal (dos tensos e claustrofóbicos “A Autópsia” e “Histórias Assustadoras para Contar no Escuro”).
No entanto, dentre as tantas possibilidades que se tinha para explorar livremente este recorte de “Drácula”, parece que os roteiristas Bragi F. Schut e Zak Olkewicz optaram por “jogar no seguro” e elaboraram algo que beira uma espécie de “slasher” com o famoso vampiro.
E até aí não vejo problema, existiam boas possibilidades de se trabalhar um slasher com o personagem Drácula. Mas, para tanto, existia um desafio a ser superado, o qual o filme não conseguiu: a construção de um mistério, tendo em vista que já conhecemos o antagonista, seus poderes, suas intenções, e, mais ainda, o desfecho da história.
E essa falta de mistério já é suficiente para construir uma barreira entre o filme e o espectador, dificultando a aproximação entre os dois. Mas ainda existem outros elementos que corroboram tal dificuldade.
A falta de personagens interessantes é outra. Somos apresentados à tripulação do Demeter, repleta de personalidades diferentes, e dos mais diversos locais da Europa. Mas pouco se busca desenvolver cada um para além de alguns traços básicos, tratando-os como personagens descartáveis e meras vítimas do grande vilão.
E até mesmo os personagens de mais relevância para a narrativa são também pouco aproveitados, mesmo que houvesse espaço para aprofundá-los. É o caso do protagonista, vivido por Corey Hawkins, que possui um arco relacionado ao racismo da época e à sua falta de integração na sociedade como um médico formado em Cambridge, tema esse trabalhado em duas ou três linhas de diálogo vindas em momentos inoportunos.
Essa ausência também se aplica à Anna, vivida por Aisling Franciosi; ou ao capitão do navio e seu neto, vividos por Liam Cunningham e Woody Norman. Espaço para o aprofundamento de seus personagens era algo que certamente existia, ao longo das duas horas de projeção, então é nítido que houve a escolha de assim não ser feito.
E a escolha feita foi focar na convivência entre os tripulantes, no estranhamento frente às mortes e no isolamento. Mas o longa encontra empecilhos justamente em virtude da superficialidade de sua construção, e Øvredal não consegue espaço para trabalhar tensão dentro daquilo que é proposto, já que todos são tratados com descartabilidade e o próprio ar claustrofóbico da embarcação não é suficiente para fazer o terror funcionar.
Por muito tempo acompanhamos os envolvidos discutindo o que havia a ser feito, lançando ideias sem rumo e brigando entre si, praticamente dando voltas em torno do próprio eixo, sem que os ânimos verdadeiramente aumentassem. As mortes, durante os ataques do Drácula, são bem elaboradas e dotadas de uma violência gráfica bem-vinda, e até corajosa quando se tem em vista que há uma criança a bordo da narrativa. Mas, ainda assim, não é o necessário para tornar o filme impactante ou sequer memorável.
Nesse sentido, imagino que, em se tratando de uma adaptação de apenas um capítulo da obra de “Bram Stocker” e pelo aspecto da livre adaptação muito mais poderia ter sido aproveitado, inclusive com a elaboração de uma dinâmica de suspeição entre os tripulantes (ao estilo “whodunit”) ou, ao menos, de maior envolvimento entre eles.
Mas vejo que a obra de Øvredal se enfraquece justamente por não conseguir segurar nenhum mistério ou trabalhar com elementos desconhecidos, já que todas as respostas são dadas ao público desde cedo, e nem mesmo a aparência do antagonista é preservada por muito tempo (sem contar que o pôster já a entrega de antemão).
Então, o que nos resta é um filme que não se interessa em aprofundar ou ao menos explorar a mitologia de Drácula, optando por uma espécie de slasher sem mistério e sem muito impacto, desperdiçando um bom recorte narrativo ao benefício de mais um longa genérico, repleto de tentativas de jumpscare e, mais ainda, cansativo, em virtude de sua duração.
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