Godzilla Minus One (Takashi Yamazaki, 2023)
Texto por Jean Werneck
Se ancorando no cinema japonês, Godzilla Minus One é um feito monstruoso entre os blockbusters do ano.
Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki) é um piloto kamikaze da frota japonesa que pousa em uma ilha isolada para fugir do confronto devastador da Segunda Guerra Mundial. Contudo, o trauma do confronto se materializa em Godzilla, um monstro jurássico que vem cobrar o ato de covardia do soldado em poupar sua vida ao invés de se sacrificar por sua nação, destruindo todos os lugares por onde Koichi passa.

Godzilla é uma saga revisitada frequentemente nas telonas - tendo a participação mais recente do personagem em 2021, no crossover com King Kong em Godzilla vs Kong. Criar um roteiro original e atrair a atenção do público cativo da franquia era uma façanha a ser alcançada. Takashi Yamazaki - que assina tanto o roteiro como a direção - utiliza o contexto das cicatrizes históricas do Japão em relação ao ataque desumano dos EUA no conflito mundial como um elemento dramático essencial que capta a memória de todo um povo a partir de um soldado. A relação deste com a desamparada Noriko (Minami Hamabe) e a orfã Akiko (Saki Nagatani) apresenta uma família desmembrada que traz força ao lado melodramático do longa. Ao mesmo tempo, a figura icônica de Godzilla como representação das sequelas pós-traumáticas da guerra traz um teor de ficção científica e critica as medidas monstruosas tomadas em nome da honra esmagadora e fatal para a vida de tantos.
Outrossim, Yamazaki enriquece Godzilla Minus One ao combinar o estilo do cinema japonês com um ritmo de ação colossal do blockbuster. Essa ancoragem nas raízes do personagem-título são essenciais para resgatá-lo dos maneirismos americanos de fazer cinema que definiram a saga por muito tempo como um sequência de destruição despropositada e pouco significante dramaticamente. A introdução faz uma abertura potente e o enredo passa a alternar entre o desenvolvimento dos personagens e cenas de ação ciclópicas - a exemplo da cena em que a pequena tripulação marítima tenta dar fim ao monstro radioativo, lembrado a dinâmica de Tubarão (1987), o pai dos blockbusters. Ainda aproveitamos um show de efeitos especiais e edição de som que preenchem as salas de cinema com excelência.
Se não fosse pela cena pós-créditos visando continuações futuras, Godzilla Minus One conquistaria ainda mais por funcionar como produção acabada em si mesma que cumpre seu papel e se consagra como um dos melhores filmes de 2023 de seu gênero.
O filme está sendo distribuído pela Sato Company. Verifique as sessões na sua cidade.
Godzilla Minus One (Takashi Yamazaki, 2023)
Texto por Carol Ballan
Algo que está fortemente ligado ao cinema japonês no resto do mundo é a existência de kaijus, também conhecidos como monstros gigantes. Ainda que haja exemplos no próprio cinema japonês que kaijus predecessores de Godzilla, ele é um de seus principais representantes. Então, após alguns anos relacionados ao contrato com a Legendary Pictures, finalmente há o lançamento de um novo filme do Godzilla feito e passado no Japão.

A obra é um grande mergulho de volta às origens do monstro, se passando em um Japão pós-II Guerra Mundial e ainda extremamente traumatizado pelas bombas nucleares. Se a obra original lida com a questão do desespero com o acordar de um monstro gigante que acorda com uma bomba, neste sentido a nova obra acompanha exatamente o mesmo início. Mas ao invés de focar em um panorama mais geral, a narrativa se desenvolve a partir de Koichi (Ryûnosuke Kamiki), um suposto soldado kamikaze que sobrevive. Enquanto lida com sua culpa e com um monstro gigante, ele acaba conhecendo a jovem Noriko (Minami Hamabe) e a criança que a acompanha, Akiko (Sae Nagatani). Ele também se passa um pouco anterior à outra obra, em um momento no qual o Japão foi forçado ao desarmamento pós-guerra e se encontrava incapaz de fornecer um exército para lutar.
Um dos grandes acertos da obra, que está recebendo uma resposta positiva tanto da crítica quanto do público, foi em respeitar a história original e os filmes anteriores. Ainda que não exista nenhuma espécie de universo compartilhado, há vários momentos nos quais se percebe alguma referência nas imagens, inclusive no próprio design do monstro, em sua sonoridade e na trilha sonora. Atualizando os temas principalmente através da trama, existe esse espaço para a apreciação dos Gojiras passados. O toque do presente também se dá na tecnologia, com um monstro belamente construído e animado, que tem tempo de tela o suficiente para ser apreciado.
Mistura-se a isso um drama pesado e que lida com algo mais metafísico da guerra: o peso da sobrevivência, o trauma e a dificuldade de seguir em frente. Para fazê-lo, aposta em uma linguagem já conhecida do público japonês e que será apreciada pelos estudantes do cinema, remetendo às atuações e espaços físicos que lembram a 2ª Era de Ouro do cinema japonês, nos anos 1950. Se livrando das camadas mais preconceituosas do passado, ele atualiza a trama fazendo com que ela pareça antiga, em um roteiro muito bem-sucedido.
Apesar de lidar com um equilíbrio tênue entre o grandioso e monstruoso e o humano e complexo, parece que a cada momento em que ele começa a perder o fôlego, logo se recupera através da emoção ou da ação. Os dramas pessoais reais e intensos fazem com que a obra cresça além de qualquer adaptação recente, elevando o filme da categoria de filme-catástrofe-de-monstro comum. O kaiju é elevado ao comentário social de crítica aos governos e propaganda anti-guerra.
Ainda que se dê para questionar como o longa funciona para um público menos conhecedor da mitologia de Godzilla, é difícil questionar a sua relevância em um universo no qual filmes de ação parecem ser cada vez mais genéricos. Através de um grande esforço do diretor, cria-se uma narrativa tensa e merecedora de todo o destaque que vem recebendo.
O filme está sendo distribuído pela Sato Company. Verifique as sessões na sua cidade.
A Sociedade da Neve (J.A. Bayona, 2023)
Texto por Carol Ballan
O diretor espanhol Juan Antonio García Bayona já se tornou figurinha marcada em premiações a cada vez que lança um novo filme. Desde O Orfanato (2007), sua filmografia normalmente está cercada pelo sucesso, muitas vezes tanto da crítica quanto do público. Passando desde os filmes mais despretensiosos até grandes franquias como Jurassic Park, ele é um dos grandes diretores de língua espanhola reconhecido em todo o mundo. Assim, quando ele anuncia que dirigirá uma adaptação do livro que conta a história dos sobreviventes da queda do voo 571 nos Andes, é criada uma enorme expectativa - ainda mais quando se conhece O Impossível (2012), seu outro filme sobre um desastre, ovacionado pelos sobreviventes e que conseguiu uma boa arrecadação nos cinemas.

Ainda nas primeiras cenas do longa-metragem, algumas das decisões tomadas podem parecer complicadas, como iniciar a história pela formação do grupo que pegou o voo ou trazer tantos co-protagonistas. Na medida em que a trama se desenvolve, no entanto, tudo vai encontrando o seu lugar na trama e chega-se a um resultado final tão emocionante quanto desolador.
Tanto o roteiro quanto a direção e as atuações conseguem criar personagens extremamente humanos, algo essencial enquanto tratamos de uma adaptação de um desastre que inclusive ainda tem sobreviventes vivos. Ainda que não se aprofunde completamente em nenhuma das histórias relatadas, ele consegue realizar o que é mais difícil: criar a sensação de comunidade que foi essencial para que alguns conseguissem sobreviver. É de se compreender que a reação dos sobreviventes tenha sido positiva ao ver o filme.
Além disso, o diretor consegue aproveitar a paisagem natural dos Andes para mostrar exatamente o problema enfrentado da imensidão da natureza em relação ao homem. Muitos planos abertos que colocam a neve em primeiro plano são utilizados para demonstrar a desproporção enfrentada e bravamente resistida. Até ao tratar o drama que estigmatiza o evento, que foi o consumo de carne humana para a sobrevivência, é utilizada uma abordagem não sensacionalista e que, por isso, consegue trazer uma carga mais dramática do que de horror.
O casting realizado, que priorizou atores argentinos e uruguaios, também é essencial para o público latino que assiste o filme, dada a tendência hollywoodiana em criar personagens de outros países que falam apenas inglês entre si. A maioria deles também não é conhecida pelo grande público, o que poderia trazer um estranhamento aos espectadores. Todos eles são muito talentosos, conseguindo demonstrar as emoções com o uso de pouco diálogo. Isso dialoga com uma direção de arte que revive aquele momento específico do tempo, mesmo sem o uso de muitos adereços ou a necessidade de colocar marcos físicos muito específicos.
O diretor se consagra mais uma vez colocando uma história de fé e esperança mesmo no meio de uma grande desgraça. Este tipo de narrativa tem sido cada vez menos comum, mas muito necessária a um público cada vez mais cético. Sentar na ponta da cadeira e precisar recuperar o ar em algumas cenas apenas torna essa experiência de entrar em contato com o melhor e pior da humanidade ainda mais emocionante.
O filme está sendo distribuído pela 02 Play. Verifique as sessões na sua cidade.
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