As Aventuras de Poliana - O Filme (André Pellenz, 2023)
Texto por Carol Ballan
Se o nome de André Pellenz ficou conhecido ao dirigir Minha Mãe é Uma Peça (2013), seu novo filme não poderia passar mais longe em questão de representatividade. Ainda que muito se critique a obra de Paulo Gustavo por retratar uma relação homossexual por um viés heteronormativo, ela ainda fez história ao levar muitas pessoas aos cinemas para ver uma história sobre a mãe que ama seus filhos independentemente de sua sexualidade. No novo filme da saga de Poliana, por outro lado, a narrativa é tão heterossexual e infantilizada que não encontra um público, perdendo a chance de fazer um bom filme para os jovens brasileiros.

Sob o roteiro de Íris Abravanel, autora de muitas das novelas infantis do SBT (inclusive As Aventuras de Poliana), a narrativa se movimenta em torno de um conflito geracional entre Poliana (Sophia Valverde) e seu pai Otto (Dalton Vigh) quando a adolescente decide tentar fazer uma faculdade de turismo fora do país. Após uma entrevista com um recrutador que dá errado, o pai tenta impedir a garota de seguir com o processo, alegando que ela é imprudente. Tentando provar o oposto, ela encontra um emprego de verão em um resort afastado, e seu namorado João (Igor Jansen) e amigos Kessya (Duda Pimenta) e Luigi (Enzo Krieger) entram na aventura.
A maior questão da obra é tratar os seus personagens adolescentes como se fossem crianças, talvez por eles terem surgido em uma novela infantil. Ainda que os atores estejam se esforçando para demonstrar alguma maturidade, tanto a trama quanto as falas os trazem a um universo no qual o sexo jamais é abordado e os problemas graves mostrados são resolvidos como em um passe de mágica, apenas através da força de vontade que eles têm de correr. Ele cai no limbo entre trazer temáticas adolescentes demais para um público infantil, e comportamentos excessivamente infantis para um público mais adolescente. Talvez ele se salve para aqueles que sentem nostalgia em relação à novela, mas a falta de conexão com assuntos atuais e pertinentes.
Há ainda algo comum em filmes derivados de alguma franquia que é a dificuldade de trazer um novo público por assumir algumas situações como dadas e não explicá-las para quem não acompanhou o material anterior. Na primeira cena do filme, por exemplo, é incompreensível que João e Poliana sejam namorados, com uma falta de intimidade que o torna mais parecido com um motorista do que com alguém que ela se relaciona. A existência de Sara, uma robô que acompanha a garota para vigiá-la para o pai, também não tem sentido. E elementos que só podem ser descritos como cafonas, como a câmera lenta no momento em que a protagonista beija seu namorado e é levada para um flashback de sua infância, também só irão emocionar quem conhece a sua trajetória.
Com tudo isso levado em conta, o que é trazido através do contraste entre Poliana e Cíntia (Larissa Bocchino) é o debate mais interessante da obra. De um lado, a garota privilegiada que tenta resolver tudo através do pensamento positivo; e do outro alguém da mesma idade, mas que passa por dificuldades para manter sua casa. Tanto a atriz quanto a personagem acrescentam muito ao longa-metragem, trazendo ao público algo com o que eles realmente possam se preocupar.
Infelizmente, o filme acaba sendo mais um que subjuga o seu público e não consegue de fato se relacionar com ele ou, de certa forma, provocá-lo a alguma reflexão. Mesmo sendo tecnicamente correto, com atuações melhores do que os papéis apresentados e com personagens que podem trazer nostalgia ao público, ele não se aproveita de nada disso para elevar qualquer discussão. v
O filme está sendo distribuído pela Warner Bros. Verifique as sessões na sua cidade.
Monstro (Hirokazu Kore-eda, 2023)
Texto por Carol Ballan
Quando pensamos em casos clássicos de bullying escolar, normalmente é muito fácil pensar em quem é o monstro da história. Mas como Kore-eda não toma os caminhos fáceis, ele consegue encontrar um roteiro e estrutura fílmica que desmistificam a situação, levantando questionamentos sobre ela.

Começamos a história acompanhando o ponto de vista de Saori (Sakura Ando), mãe solo que batalha para criar sozinha o filho Minato (Soya Kurokawa) após a morte de seu marido. Mas ela começa a perceber comportamentos estranhos no filho, e aos poucos começa a ligá-los ao seu professor, Hori (Eita Nagayama). Após o desenrolar de sua narrativa, acompanhamos a mesma história sob o ponto de vista de Hori, e por fim do próprio menino Minato. Assim, aos poucos o diretor nos faz pensar sobre quem seria o monstro a partir da ótica de cada um dos envolvidos.
O roteiro, que foi premiado este ano em Cannes, é o elemento central da obra justamente por fazer um jogo de esconder certas informações do espectador ao mesmo tempo em que as deixa completamente à vista, brincando com a percepção individual dos acontecimentos. Mesmo que ele se torne um pouco repetitivo por contar a mesma história três vezes, as mudanças entre os pontos de vista são essenciais para que a história se desenvolva e consiga alcançar uma profundidade inesperada em um primeiro momento. Mesmo com as diferenças culturais entre Japão e Brasil, como a raridade aparente de mães solo no país, o questionamento é muito mais profundo e enraizado em toda a sociedade. Como ele também apresenta uma espécie de plot twist a cada recontagem dos acontecimentos, ele é também uma obra que deixa os espectadores curiosos e possivelmente com vontade de assisti-lo ao menos mais uma vez, tendo o todo como seu ponto de vista.
A edição com hiatos temporais sutis também é muito eficiente em criar o mistério necessário para que o ritmo não se perca, mantendo o público interessado em compreender as nuances dos acontecimentos. Nuances da atuação também são essenciais para construir esses personagens de forma crescente, e o trabalho realizado com os atores infantis é emocionante. É muito difícil não se identificar com algum dos pontos de vista apresentados, fazendo com que a narrativa reverbere de maneiras diferentes em cada espectador.
Assuntos pesados como o alcoolismo, masculinidade em construção e preconceito social são abordados de forma delicada, mas nunca sentimentalista. A trilha sonora de Ryuichi Sakamoto ajuda a manter o clima da obra, com a cacofonia explicada em uma das últimas cenas também sendo essencial para a compreensão de todas as camadas da narrativa.
Se o marketing do filme no Brasil está sendo feito sob o questionamento de quem seria o monstro, em ressonância com o mistério criado pela obra, acabamos saindo nos questionando sobre outra possibilidade: quando nos tornamos o monstro de alguma outra pessoa? E é esse convite para a autorreflexão que torna a obra tão importante para o espectador.
O filme está sendo distribuído pela Imovision. Verifique as sessões na sua cidade.
Texto por Jean Werneck:
Quebrando a linearidade narrativa com diferentes pontos de vista, Kore-eda retorna à temática familiar recorrente de suas obras.
Quando sentimentos confusos surgem, Minato (Soya Kurokawa), um pré-adolescente que passa por uma crise identitária, leva sua mãe (Samira Ando) e seu professor (Eita Nagayama) a uma jornada com descobertas monstruosas. Com isso, o roteiro nos incita a questionar quem é o verdadeiro monstro ao revelar diversas perspectivas de uma mesma história.

Esse questionamento básico visa prender a atenção do espectador, revertendo o formato cronológico dos acontecimentos ao dar focos narrativos diferentes em cada ato do filme - bebendo do pioneiro Rashomon, de Akira Kurosawa. Contudo, diferente do clássico de Kurosawa, a ramificação dos pontos de vista é dispensável e soa como uma proposta pretensiosa da direção de Kore-eda de transformar seu roteiro em algo mais complexo do que é de fato. A pegada dramática pungente se adorna apenas no último ato, quando Monster explora a relação do protagonista com seu melhor amigo e as consequências sociais disso para ambos - semelhante ao avassalador Close, de Lukas Dhont, mas com um discurso bem mais piegas por trás. Os outros personagens têm trajetórias interessantes a serem abordadas, entretanto a necessidade do roteiro de humanizar todos eles torna a dinâmica exaustiva e furta o tempo de tela do núcleo que mais importa: o de Minato e Yori (Hinata Hiiragi).
A construção da família e o processo de amadurecimento de seus integrantes são assuntos trabalhados anteriormente pelo diretor em outras obras, como Broker - Uma Nova Chance e Pais e Filhos. Porém, em Monster, ele pauta a homofobia como raiz dos problemas sociais que tomam forma no novo longa com os isolados fenômenos naturais (como o incêndio infundado do início ou a tempestade catastrófica do fim do filme). A linguagem cinematográfica evidencia que o desenrolar cruel dos acontecimentos é um preconceito estrutural que não prepara os jovens para enfrentar determinados processos de sua natureza. Tal escolha estilística é impactante, mas ainda faz de Monster um filme LGBTQIA+ tímido demais - e um pouco covarde em certos momentos - para um periodo em que o cinema tem se proposto a abordar o assunto abertamente.
Desse modo, Monster se baseia em boas referências cinematográficas e segue a identidade de seu realizador com relação a sua filmografia, mas o anseio em desmistificar o monstro interno de seus personagens perde o longa em direções sentimentalistas.
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