Asteroid City (Wes Anderson, 2023)
Poucos cineastas conseguem criar uma estética tão marcante que são rapidamente reconhecidos através de apenas um frame ou geram a sua própria trend no TikTok. E é exatamente o que Anderson tem feito em seus quase 30 anos de carreira, se consolidando como mestre da simetria e dos tons pastéis. Além disso, ele também se mostra um diretor com uma excelente relação com seu elenco e equipe, tendo parcerias de longa data que levam a um elenco cheio de estrelas como o de Asteroid City.

Como em muitos de seus filmes anteriores, acompanhamos personagens excêntricos enquanto eles passam por sua aventura. Nesse caso, há duas camadas paralelas. A primeira mostra o processo de escrita, montagem e exibição de uma peça homônima ao filme. Já a segunda é o conteúdo dessa peça, marcada por letreiros que indicam os atos e cenas, e que conta sobre um evento peculiar ocorrido durante uma convenção para jovens cientistas e seus familiares, com a finalidade de conceder uma bolsa de estudos a um dos jovens estudantes. Dentre uma infinidade de pequenas crônicas, se destacam duas famílias, a de Augie (Jason Schwartzman) e seus filhos, que acabaram de perder a esposa e mãe, e de Midge Campbell (Scarlett Johansson), uma estrela de cinema, e sua filha Dinah (Grace Edwards),
A artificialidade complexa das falas dos personagens combina perfeitamente com o universo fantástico apresentado pela ficção (peça) dentro da ficção (filme). Lutos, crises existenciais e solidão podem ser discutidos de uma forma direta e até óbvia, mas com uma superficialidade calculada e completamente dentro do universo criado. Em uma continuação da estética já estabelecida, o fato de enxergarmos a perfeição dos cenários, efeitos especiais à moda antiga e figurinos perfeitos no meio do deserto levam a uma compreensão do dispositivo cinema como uma realidade absolutamente controlada, como no caso da peça.
A questão entre ficção e realidade também é refletida nas cenas fora da peça, como quanto o autor da peça Conrad Earp (Edward Norton) é capaz de demonstrar suas crises pessoais e o reflexo que elas vão causando em sua ficção. Jason Schwartzman, em uma performance do ator que está tentando compreender o papel de Augie, tem uma interessante cena na qual mostra seu descontentamento em entender seu papel. Para quem gosta de estudar a ficção e a recente autoficção, criam-se diversas discussões que levam a uma mesma crise existencial sobre personalidade, mas quer também funcionam como uma reflexão sobre todas as histórias da humanidade já terem sido contadas, sendo apenas os métodos e características específicas que permitam que a arte permaneça sendo relevante.
Apesar do primeiro ato da peça ter uma exposição alongada e haver uma quantidade de subtramas que às vezes atrapalham a compreensão de seu próprio significado, o filme mostra um amadurecimento das discussões do diretor e corroteirista para um questionamento pós-moderno e existencialista já presente em outras obras, mas aqui escancarado. Ele não é o melhor filme para quem não conhece nada do diretor assistir, mas certamente agradará o seu público já cativo. Sua estranheza é capaz de atravessar as telas para ressoar em todos os neuróticos deste e de outros mundos.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Universal Pictures. Verifique a programação na sua cidade.
Gatos no Museu (Vasiliy Rovensky, 2023)
Depois de termos acesso ao espanhol As Múmias e o Anel Perdido (Juan Jesus Garcia Galocha, 2023), chega a oportunidade de assistir nas telonas uma animação russa. E de maneira muito interessante para os cinéfilos, ele se passa no Museu Hermitage, o mesmo em que Alexandr Sokurov realizou Arca Russa em 2002, ou uma versão digitalizada dele.

Se o referido Arca Russa é um filme bastante nichado e com um público específico, sendo inteiro gravado em um plano-sequência, a animação tem um público mais extenso, composto principalmente por crianças bem jovens. Seja pela falta de profundidade do roteiro ou pelo uso de repetições que são desnecessárias ao público adulto, muito provavelmente apenas os gateiros vão se interessar, pensando principalmente na fofura dos comportamentos felinos. Nos é apresentada a história de Vincent, um gato ruivo que faz amizade com o rato Maurice e junto a ele acaba chegando ao museu de São Petersburgo. Para complexificar a história, Maurice é um apreciador de roer obras de arte, enquanto Vincent começa a fazer parte do grupo de gatos que patrulha o museu atrás de roedores.
O mais curioso é saber que esse roteiro se inspira na realidade do museu, que abertamente abriga felinos e até tem um programa de adoção para os gatos lá alojados, além de utilizá-los no marketing. É uma pena para os realizadores, que possivelmente trabalham no projeto há anos, que seu lançamento ocorra enquanto a guerra entre Rússia e Ucrânia continue acontecendo (na verdade, é uma pena para toda a humanidade que esse conflito ainda esteja acontecendo).
A partir do momento em que a narrativa é estabelecida, o roteiro mistura diversos elementos em uma linha de raciocínio cujo sentido é pouco compreensível. De um interesse romântico cuja relevância é questionável até um fantasma que é libertado, é difícil para um adulto permanecer entretido. No entanto, pelas características dos personagens e a sua fofura no design 3D, esse pode ser um filme que entretém as crianças menores e as introduz às salas de cinema.
Como tutora de felinos, é difícil resistir aos trejeitos acrescentados a cada personagem, que são o ponto alto do filme. Das piadas sobre sonecas até o modo que a animação consegue captar os movimentos dos gatos, a técnica e encantamento visual são seu grande ponto alto. Além, é claro, da oportunidade de assistir um gato tocando piano. Ele certamente não é o filme russo que costuma chegar ao mercado brasileiro, então sua própria distribuição se mostra um elemento a ser considerado.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Imagem Filmes. Verifique a programação na sua cidade.
Ursinho Pooh: Sangue e Mel (Rhys Frake-Waterfield, 2023)
Era óbvio que em algum momento um cineasta perceberia que os direitos autorais dos livros que deram origem aos filmes e personagens clássicos da Disney iriam começar a cair. O horror também é um gênero favorável a essa situação, seja pela possibilidade de criação de ótimas histórias com orçamentos diminuídos ou pelo fator aterrorizante de utilizar o imaginário infantil para criar monstros. É exatamente isso que a obra tenta fazer, com um roteiro no qual o Ursinho Pooh é um serial killer que deseja se vingar de Christopher Robin após ele crescer e abandonar os seus amigos para ir para a faculdade.

Há uma tentativa de fazer um slasher que leva a definição do subgênero tão a sério que isso testemunha contra o filme. Na mistura do vilão que mistura a identidade secreta com habilidades sobrenaturais de perseguição, o uso excessivo da sexualidade e o sangue em quantidade irreal, o resultado é um filme anacrônico e desatualizado. Ele fica em um vale entre a paródia e o terror real que nem assusta e nem diverte.
A má execução é um dos elementos fundamentais para o fracasso da obra, dos aspectos mais simples aos mais complexos. O som é muitas vezes incompreensível. Os efeitos especiais parecem ser feitos por amadores, tentando passar uma imagem realista que não consegue ser transmitida. Os figurinos, apesar de bem executados, têm um design que parece simplesmente um homem com uma máscara (o que o ator é, mas que não deveria transparecer). A continuidade é inexistente, com o absurdo da iluminação rosada que segue a personagem Lara (Natasha Tosini) sem nenhum sentido lógico. A sexualização excessiva das personagens, todas mulheres, passando por torturas psicológicas e sexuais, é no mínimo problemática.
Mostrando que nem sempre a internet está certa em viralizar um filme a partir de seu trailer, Ursinho Pooh: Sangue e Mel mostra que não que é porque um filme pode ser feito que ele deve ser feito. E infelizmente ele ainda abre a porta para uma franquia de obras que possivelmente seguirão a mesma linha.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela California Filmes. Verifique a programação na sua cidade.
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