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Lançamentos da Semana : De Missão Impossível a Perdida

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Herói de Sangue (Mathieu Vadepied, 2022)

A temática dos tirailleurs sénégalais, soldados da África Oriental Francesa que foram agregados aos seus colonizadores durante a 2ª Guerra Mundial, foi um assunto abordado pelo cinema africano durante a década de 1980. É peculiar que quarenta anos depois surja um filme sobre o assunto advindo do país que realizou a colonização, com o lançamento no festival de Cannes, cidade francesa.



Mesmo notando este fato, Vadepied tem um olhar de arrependimento em relação aos seus conterrâneos e não tenta defendê-los do absurdo ocorrido, nem parece olhar para o Senegal com uma postura dominante em telas. Ele conta a história de um pai (Bakari, interpretado por Omar Sy) e seu filho (Thierno, interpretado por Alessane Diong) que são recrutados para essa guerra em defesa de seus colonizadores, e a tentativa do pai de sair daquela situação enquanto o garoto tenta mostrar seu crescimento através dessa linguagem masculina de violência.

Ao retratar a relação de pai e filho e essa necessidade de provação contra o desejo paterno de proteger o filho, o diretor tem muito sucesso. No entanto, ao tentar focar em diversos conflitos ao mesmo tempo, ele começa a se perder em sua própria mensagem. Este parece ser um sintoma de quase todos os diretores que estão em seus primeiros filmes, e ao saber de seu interesse autoral na história contada fica claro que houve uma intenção e pesquisa para criar os personagens. Há um ótimo trabalho na recriação de cenas de conflitos, aproveitando os filmes mais recentes que mostram mais a situação humana ao invés do puro heroísmo nas trincheiras. Mas ao se afastar do eixo principal, os poucos personagens secundários são muito circulares, dando a impressão de uma farsa criada para dar suporte para a mensagem principal e não combinando com o efeito mais naturalista do resto da obra.

Existem escolhas que mostram uma evolução do discurso de cineastas ao retratar outra cultura, como ter a obra falada principalmente em fula ao invés de francês, e as filmagens realmente feitas em solo senegalês. Aproveitar o sucesso que Omar Sy teve em sua carreira após Intocáveis para alcançar um público internacional, aumentando o impacto de uma história pouco conhecida até por franceses mais jovens, é uma maneira de reconhecer a violência do passado.

Um filme de guerra com o roteiro improvável inspirado na realidade foi uma boa ideia para a transição do diretor de arte para diretor. Mas o estardalhaço que ele causou no festival leva ao pensamento sobre reparações históricas e as políticas anti-imigração que o país segue criando. E, assim como em casos brasileiros da exploração da situação sem trazer reais ganhos sociais, como Glauber Rocha já denunciava em sua estética da fome, nos leva à repetição cíclica dessa exploração.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Synapse Distribution. Verifique a programação na sua cidade.


Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1 (Christopher McQuarrie, 2023)

Ainda durante a pandemia de Covid-19 muito se especulava sobre como seria o cinema quando as produções voltassem ao normal. E entre os muitos filmes que foram atrasados ou cancelados, Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1 (que a partir daqui chamarei de MI7) teve atrasos em filmagens e em lançamento. De certa maneira, isso até auxiliou na imagem de Tom Cruise como o novo salvador do cinema, trazendo as pessoas de volta às salas com o sucesso de Top Gun: Maverick. Aos poucos, vai se tornando claro que a ação é um gênero em alta, e que o heroísmo ainda tem seu espaço no coração do público. Entre Torettos e James Bonds, quem poderia ser melhor para divulgar o gênero do que o homem que prefere fazer suas próprias cenas de ação, dispensando dublês?



No novo filme, a saga de Ethan Hunt (Tom Cruise) é retomada a partir de uma guinada tecnológica, com o vilão da vez sendo uma inteligência artificial capaz de navegar entre servidores secretos de Estados e que, apesar de ainda não ter feito nada, se torna o motivo para uma disputa entre países para tomar o seu controle. Apenas com esse enredo geral já temos um medo de quão alinhado com um futuro próximo que a ficção parece estar, mas quando são reveladas as primeiras cenas, que se passam dentro de um submarino, percebe-se que a data de lançamento acabou sendo oportuna.

Não há nenhuma dúvida de que o Tom Cruise seria perfeito em mais um filme de uma franquia que ele próprio ama. Mas entre novas aparições e antigos amigos - e inimigos- é a proximidade de mulheres e sua relevância para o roteiro que ganha destaque. Somos apresentados a uma ladra, Grace (Hayley Atwell) que acaba se juntando à trama, e tanto Ilsa (Rebecca Ferguson) quanto a Viúva Branca recebem atenção da narrativa em relação às suas cenas de lutas e perseguições. Essas lutas e perseguições também estão cada vez melhores e maiores, quase fazendo o espectador esquecer das quase três horas de duração do longa.

Ao mesmo tempo em que o tempo parece passar mais rápido nessas cenas de tirar o fôlego, é notável que pela primeira vez seja falado mais sobre o passado de Ethan, mas como no último Velozes e Furiosos, também lançado em duas partes, essa informação parece ter uma relevância ainda desconhecida em sua totalidade. É estranha a rapidez e leveza que essas informações são apresentadas, considerando tamanha duração.

A esperteza, que certamente levará grande público ao cinema, é conseguir atualizar uma fórmula de sucesso que faz sucesso desde que a dramaturgia existe. Atualização da questão do heroísmo, que agora é acompanhado de um código pessoal de ética do que do patriotismo, atualização da visão de mulheres apenas como par romântico, atualização de efeitos especiais, som e truques. O que é feliz é a escolha por não abandonar as suas origens, com muitos planos fechados utilizados para brincar com a expectativa de quem assiste, misturado com as cenas de lutas e explosões e a trilha sonora que é sempre repaginada, mas apresenta seu som característico. Feliz a escolha de continuar produzindo o tipo de filme que leva as pessoas aos cinemas.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Paramount. Verifique a programação na sua cidade.


A Noite do Dia 12 (Dominik Moll, 2022)

Para qualquer brasileiro vivendo em 2023 a palavra feminicídio não deve ser novidade, pois infelizmente estamos na maioria dos rankings mundiais desse tipo de crime. Ainda assim, a cena de início de A Noite do Dia 12 é chocante, com a noite de uma jovem voltando para casa acabando com ela sendo queimada viva. O assassinato de Clara Royer (Lula Cotton-Frapier) é estudado por um grupo de detetives e se mostra mais complexo do que imaginado anteriormente.



Ainda que seja uma história relativamente simples, a decisão de contá-la a partir do ponto de vista dos detetives é o que causa ao mesmo tempo espanto e um viés mais interessante para os espectadores. Acompanhamos principalmente a visão de Yohan (Bastien Bouillon), que acabou de se tornar chefe de polícia, e Marceau (Bouli Lanners), já veterano. Assim, o fato de diretor e roteiristas serem homens acaba trazendo uma camada à obra ao invés de retirar um lugar de fala, colocando esses personagens masculinos se deparando com o universo de misoginia e terror que as mulheres encontram na França. A semelhança com o Brasil e possivelmente todos os países do mundo é também um bom motivo para reflexão.

Isso é complementado pela boa atuação de Bouillon e Lanners, que conseguem representar a quebra de uma certa inocência, a percepção de que o mundo não era como eles acreditavam que fosse. Eles conseguem mostrar que há certa humanidade por trás das instituições e que isso também as ajuda a se tornarem falhas. Quando aparece o contraponto de Nadia (Mouna Soualem), uma policial mulher e que apresenta claramente seu ponto de vista sobre o ocorrido, fica clara a crítica impressa na obra. Em um momento onde as obras sobre crimes reais estão cada vez mais presentes e detalhadas, é um alívio perceber uma obra que não tenta analisar monstros, mas sim mostrar a crueldade da sociedade que os gera.

Os elementos visuais não são especialmente utilizados, mas o fato de eles serem tecnicamente corretos e sem floreios também é um reflexo da história complexa que ele está contando. Há um naturalismo que chega a ser estarrecedor quando pensamos que a ficção é inspirada em um crime real. A escolha da pequena cidade, isolada e na qual todas as pessoas parecem se conhecer, também reafirma o texto de que quando ninguém cometeu um crime, todas as pessoas o cometeram. Ainda que seja estranho assistir um filme sobre feminicídio pelo ponto de vista masculino, é bom poder enxergá-lo através de um raro exemplar de homem bem intencionado causa ainda mais desconforto.

Não é uma obra para assistir desavisadamente, mas não por isso ela se torna menos relevante. É importante avisar que ela é cheia de gatilhos para mulheres que sofreram qualquer tipo de violência

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Pandora Filmes. Verifique a programação na sua cidade.


Perdida (Katherine Chedial Putnam, Dean Law e Luiza Schelling Tubaldini, 2023)

Como uma adulta (ou quase isso) que cresceu lendo obras de Philippa Gregory, com romances biográficos, e regada de Sr. Darcy tanto de Jane Austen quanto de Matthew Macfadyen, é difícil não se interessar por essa obra que marca a produção da gigante estadunidense nas produções brasileiras. Ao mesmo tempo, perceber que eu passei despercebida pelo romance de Carina Rissi que deu origem ao filme, mostra que eu provavelmente já passei da idade do público-alvo do filme, certamente mais jovem do que eu.



Mesmo assim, é impossível não se divertir e se identificar com a história de Sofia (Giovanna Grigio). Jovem independente, fiel às amizades, que trabalha em uma editora e ama o que faz, mas com muita dificuldade em confiar nos outros para relacionamentos amorosos. Então, quando sua vida profissional e pessoal entram em um colapso, ela é transportada para o Brasil de dois séculos atrás, época na qual os livros de Jane Austen, sua autora preferida, foram escritos. Além das dificuldades de adaptação e de desejar voltar ao seu tempo correto, ela também passa a lidar com seus sentimentos por Ian Clarke (Bruno Montaleone), que a encontra nesse novo cenário.

Todos os elementos para uma comédia romântica adolescente estão presentes, e eles realmente funcionam a favor da narrativa cheia de emoções. Desde piadinhas sobre a falta de adaptação ao momento histórico até o coração da protagonista que aos poucos vai se abrindo, fazem com que espectadores se deleitem com o andar da carruagem. As referências aos textos de Austen também acontecem do início ao fim, em texto e em subtexto, mas o que impressiona são suas referências visuais à adaptação Orgulho e Preconceito de Joe Wright, em 2005. De figurinos que criam uma referência direta (mas adaptados à realidade brasileira) e fotografia com quadros muito semelhantes, com a iluminação amarelada característica sendo reproduzida, percebe-se o alto valor de produção e carinho em relação ao homenageado.

As atuações também são muito divertidas, desde o casal principal até os mais secundários, como Elisa (Nathália Falcão), a irmã de Ian que torce pelo romance, ou Abigail (Luciana Paes), espécie de mentora da protagonista. Todos eles são multifacetados e expressivos, levando a trama leve a uma diversão genuína. Até as dinâmicas que parecem mais previsíveis e novelescas, como a mãe que tenta a todo momento silenciar a filha e o marido, são usadas de maneira ponderada, não passando a barreira do excesso.

É necessário pontuar que um elemento impossível de ignorar é, dado que se trata de uma obra brasileira, a falta de qualquer menção à escravidão. que só foi abolida no país perto do século XIX. Essa foi uma escolha da autora que foi refletida pelo filme, mas ao perceber a quantidade de criados brancos existentes, ignorar a história do país acaba reafirmando o nosso racismo estrutural, ainda mais ao colocar personagens negros em papéis adjacentes. Assim, apesar de passar uma boa mensagem sobre a independência feminina e sobre as possibilidades do amor, é recomendável explicar um pouco da história do nosso país para que espectadores da faixa etária mais baixa não tenham uma impressão tão distorcida sobre a escravização de negros e indígenas (que nem aparecem na obra).

Mostrando a importância do mercado brasileiro para um cenário internacional, ainda mais com o grande poder de difusão dos streamings, esse é um passo importante para a indústria nacional de cinema. Espero que seja apenas um primeiro passo para a produção de obras cada vez mais diversas e focadas em diferentes públicos.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Walt Disney. Verifique a programação na sua cidade.


O Portal Secreto (Jeffrey Walker, 2023)

O universo da magia e feitiçaria ingleses na ficção tiveram um grande salto com o lançamento e sucesso da saga de Harry Potter, mas ele existe e existirá por muito mais tempo que sua popularidade. Dentro deste universo desde 1987, Tom Holt é um autor prolífico e pouco conhecido no Brasil, mas com sucesso local e em países de língua inglesa. Talvez em um primeiro contato com sua obra, surge no mercado brasileiro O Portal Secreto, filme adaptado de seu livro homônimo e que dá início a uma saga de oito obras.



Como um bom filme de introdução a um universo, no filme conhecemos a história de Paul (Patrick Gibson), um jovem londrino que está em busca de um emprego. Mas no dia de uma entrevista para trabalhar em um café, uma série de coincidências estranhas o leva a um local diferente do esperado, e para preencher uma vaga de trabalho que ele nem sabia que existia. E ele acaba no meio de uma estranha trama corporativa com a colega Sophie (Sophie Wilde) de uma companhia mágica que está começando a incorporar tecnologias modernas em seu trabalho.

Talvez o desconhecimento desse universo seja uma barreira que a obra encontrará em relação ao nosso mercado, tendo um público bastante específico de pré-adolescentes e jovens adultos. Ainda dentro deste nicho, por conta do desenvolvimento lento da primeira parte da obra, é possível que muitos dessa geração acostumada aos vídeos rápidos desista facilmente do filme, que em outra hora seria um possível clássico da Sessão da Tarde. Mas ele é assustador para crianças pequenas e um pouco infantil para adultos, mas pode nesses encontrar um elemento de nostalgia dos efeitos especiais. Para um público tradicional e acostumado ao CGI de última geração, por outro lado, ele parecerá antiquado.

Além de boas ideias para criar visualmente um novo universo mágico sem se assemelhar aos outros mais conhecidos, há um grande elemento de destaque nas atuações tanto dos personagens principais quanto nos que estão no controle da firma. O trio Humphrey (Christopher Waltz), Monty (Dennis Tanner) e Condessa Judy (Miranda Otto) consegue manter a mágica no ar e o espectador interessado mesmo nos momentos em que a obra demora a engrenar. Mesmo sendo introdutório, ele também não se aproxima do diálogo expositivo sem sentido, criando boas oportunidades para que o espectador aprenda junto ao personagem principal qual o universo em que ele se apresenta.

A obra tem duas cenas pós-créditos, o que apenas reforça essa moda do cinema que tenta manter o público na sala pelos créditos, mas que normalmente não se justifica. A primeira cena, apenas uma piadoca logo no início, é divertida, mas para quem fica para ver a segunda cena, pode haver uma frustração. Assim, com uma qualidade técnica surpreendente para seu orçamento e escolhas visuais específicas e agradáveis considerando essa limitação, a obra poderá atrair um novo público para a sequência de livros, mas é dissonante com o público brasileiro.

A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Imagem Filmes. Verifique a programação na sua cidade.


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