top of page

Lançamentos da semana - Duas Bruxas - A Herança Diabólica, Entre Mulheres e Creed III

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Duas Bruxas - A Herança Diabólica (Pierre Tsigaridis, 2021)


Considerando os últimos anos, há novas levas de filmes de terror que voltam a tocar em temas políticos complexos como o racismo e machismo estruturais. No entanto, ainda que estes ganhem força e público, parece sempre haver espaço para filmes de baixo orçamento em que parece que o grande objetivo é apenas dar sustos. E é exatamente nesta categoria que o longa-metragem se encontra.

Sendo este o primeiro grande projeto que Pierre Tsigaridis dirige e co-roteiriza (junto a Maxime Rancon e Kristina Klebe), percebe-se um talento para criar a tensão em tela através dos estereótipos do horror, como a pessoa que só aparece quando a personagem se olha no espelho. Há momentos assustadores, mas a obra tenta abordar tantos assuntos ao mesmo tempo que parece chegar a meias mensagens sobre tudo o que quer criticar.


Com uma estrutura que se divide em dois episódios e um epílogo, surge um dos maiores mistérios do filme: o quê deveria unir as histórias e criar uma unidade? Infelizmente, a resposta dada é muito pouco satisfatória, sendo a primeira metade da obra mais parecida com o episódio de série no qual não é dada a explicação para a questão, do que uma primeira parte daquilo que acontecerá a seguir. O tom se pretende mais sério do que consegue imprimir por conta dos efeitos visuais mais simples, e apesar dos sustos, não se cria nenhuma situação memorável, apenas reproduções de estéticas e temáticas recorrentes.


Na segunda parte da obra, principalmente através da dinâmica de Masha (Rebekah Kennedy) e Rachel (Kristina Klebe), sendo a primeira uma neta de bruxa que espera em breve receber os poderes da avó e a segunda sua colega de quarto com uma vida normal, começa a se desenvolver um arco que poderia levar a discussões interessantes sobre o estereótipo de bruxaria sendo utilizado para reprimir mulheres ou os padrões de performance esperados na atualidade. Ao invés disso, ele logo cai em visões antiquadas sobre competitividade feminina.


A conclusão é um longa-metragem que poderia ter explorado melhor suas qualidades técnicas, principalmente em relação à montagem e direção, e acaba gastando tempo desnecessário em criar uma história que possa facilmente se tornar uma franquia. Ainda assim, permanece a curiosidade sobre os projetos futuros do diretor.



Entre Mulheres (Sarah Polley, 2023)


AVISO: O filme, assim como o texto, aborda a temática de abuso sexual. É recomendada cautela.


Fazer um filme que aborda uma sociedade fechada e ultraconservadora na atualidade é uma tarefa complexa, tanto pela questão da compreensão e respeito à fé alheia quanto pelo retrato que se faz de seus moradores. Assim, o sucesso de Sarah Polley não é apenas em criar um filme excepcional, tanto tecnicamente quanto em relação a criar uma reflexão real sobre o que está sendo mostrado em tela.


A obra se inicia quando as mulheres dessa comunidade descobrem que não engravidam por ação de um demônio espiritual, mas sim de um real - os homens da própria comunidade que as drogavam para abusar sexualmente delas. Os responsáveis pelo último abuso são presos e quase todos os homens vão até a delegacia pagar a fiança, e as mulheres aproveitam o momento para refletir se tomarão alguma atitude entre o perdão, lutar ou simplesmente fugir daquele local.


Todo o roteiro se desenvolve a partir da busca por um consenso sobre o que fazer, o que só não se torna repetitivo graças às ótimas atuações e a variedade de opiniões sobre o assunto a partir de experiências de vida diferentes e de modos de enxergar sua fé. Ona, a mulher grávida que deseja inicialmente ficar e lutar, é brilhantemente interpretada por Rooney Mara. O elenco com muitas estrelas como Claire Foy, Jessie Buckley, Frances McDormand e Judith Ivey certamente auxiliam no sucesso da narrativa ao mostrar mulheres com excessivas limitações e que, apesar de tudo, encontram as suas formas de resistir. Ao mesmo tempo, ao trazer a figura de dois homens, Augusto (Ben Wishaw) e Melvin (August Winter, em um casting perfeito por ser uma pessoa trans não binária) que conseguem enxergar e empatizar com o sofrimento feminino, não se cria a mensagem de que todos os homens seriam monstros.


Essa sensibilidade, reforçada pela não exibição de quem seriam os rapazes que foram presos e a não reprodução dos momentos de abuso, elevam a discussão para um caminho no qual uma conversa mais universalista pode ocorrer, pensando na consequência do machismo estrutural para todas as pessoas que vivem em sociedade. Soma-se ainda um detalhe técnico do uso das imagens extremamente dessaturadas, criando a sensação de uma imagem etérea, que é uma história que se repete ao longo dos anos, para gerar importantes discussões pós-sessão.


É triste que uma obra tão completa tenha sido ignorada nas premiações da Academia esse ano, ainda mais com a falta de representatividade em diversas categorias. A escolha por não incluir esta obra assim como Mulher-Rei e Não! Não olhe! mostram o quanto o perfil de votantes ainda é antiquado.



Creed III (Michael B. Jordan, 2023)


Quando a franquia Creed teve sua estreia em 2015, certamente não se imaginava que em menos de uma década ela se tornaria quase independente de Sylvester Stallone, seja pela ausência do icônico personagem Rocky Balboa ou até pelas críticas que o ator fez ao rumo tomado no novo longa-metragem da série. Felizmente, a franquia pode se atualizar e criar novas narrativas adequadas à passagem de tempo.


Ao mesmo tempo, essa passagem de bastão para Michael B. Jordan conseguiu ser respeitosa à fórmula e ao tipo de mensagem que o filme passa. No novo filme, Adonis Creed (Michael B. Jordan) já venceu todos os seus títulos e está praticamente aposentado, trabalhando para auxiliar os próximos nomes do boxe até que o seu passado retorna. Damian Anderson (Jonathan Majors) é liberado da prisão após cumprir uma pena de 18 anos, e pede auxílio ao amigo de infância para conseguir uma carreira, mesmo que tardia, no esporte.


As reflexões que o longa-metragem traz a partir dessa premissa são bastante alinhadas aos conceitos mais disseminados atualmente na cultura pop masculina, como os efeitos da masculinidade tóxica nos próprios homens - que aqui normalmente apenas lutariam para lidar com seus sentimentos. Perde-se um pouco da inocência de Rocky para ganhar a profundidade da experiência de vida de um homem negro, abandonado pelo pai, e que conseguiu chegar a lugares que não imaginava, mas precisa lidar com sua culpa e responsabilidades para poder ter a aposentadoria tranquila que merece.


Essa guinada é bastante clara desde o momento que Ryan Coogler assumiu o papel de roteirista da franquia em 2015, mas há um elemento diferenciado com a chegada de Jordan à direção: percebe-se a escolha por menos cenas de ação, que se tornam ainda mais impactantes pensando na ausência de violência no dia-a-dia de Creed e planos mais fechados e que valorizam mais os sentimentos dos personagens. Ao mesmo tempo, a escolha por permanecer com algumas cenas-chave da série, como a grande luta do bem contra o mal, e as sequências exageradas de treinamento, faz com que a unidade com as obras anteriores permaneça existente.


O destaque dado a um elenco praticamente completamente negro é também um elemento importante, ainda mais considerando a indústria hollywoodiana e a sua tendência por permanecer premiando pessoas brancas. Michael B. Jordan é acompanhado por Tessa Thompson (Bianca Creed) e Mila Davis-Kent (Amara Creed) como sua família, tendo ambas os seus próprios arcos e trazendo a normalização de uma pessoa com deficiência na trama, sendo Mila Davis-Kent surda. Jonathan Majors mostra que está em um excelente momento de sua carreira, interpretando desde vilões da Marvel até lutadores, e Wood Harris reprisa seu papel de Little Duke que, ainda que menor em quantidade de falas, mostra a voz da experiência sendo colocada em jogo.


O filme é um ótimo exemplo de como atualizar uma franquia sem que ela perca totalmente a sua identidade, mas permitindo que novas histórias sejam contadas. Para quem gosta do gênero e espera passar por duas horas de entretenimento, é uma excelente opção.

0 comentário

Comments


Formulário de inscrição

Obrigado(a)

11985956035

©2021 por No Sofá Com Gatos. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page