Minha Irmã e Eu (Susana Garcia, 2023)
Um gênero que costuma funcionar muito bem para o povo brasileiro é a comédia familiar, com o maior exemplo sendo o sucesso da trilogia Minha Mãe É Uma Peça. Após a trágica morte de Paulo Gustavo, diversas obras dentro do gênero foram lançadas, mas talvez Minha Irmã e Eu seja a que possua maior potencial de chegar a um nível de sucesso semelhante.

A trama parece um pouco genérica em um primeiro momento, com o tema do reencontro entre irmãs após serem separadas por estilos de vida diferentes já tendo sido abordado diversas vezes na história do cinema (e, no Brasil, da telenovela). O que o torna mais interessante é a especificidade: Mirelly (Tatá Werneck) e Mirian (Ingrid Guimarães) são irmãs criadas no interior de Goiás por Dona Márcia (Arlete Salles), com Mirelly tendo saído do estado para tentar a sorte no Rio de Janeiro. Em uma situação que facilmente poderia ter se tornado Tia Virgínia, o drama de Fábio Meira lançado neste mesmo ano, irmãs discutem quem cuidará da mãe após seu aniversário de 75 anos. Mas o que elas não esperam é que a mãe desapareceria logo depois da festa. Então, elas precisam se juntar em uma aventura Brasil adentro para tentar encontrar a mãe.
O timing cômico de Tatá e Ingrid são o elemento que faz com que toda a obra funcione, tanto por suas características individuais quanto pelo conjunto com química em cena, com Tatá se baseando em um humor por estranhamento enquanto sua parceira de cena vai para uma região mais clássica. A relação que elas desenvolvem é transmitida de maneira realista e genuína nas telas, e certamente agradará a maioria das pessoas que têm irmãos, com seus altos e baixos não sendo idealizados. Ainda que o sotaque de Ingrid vá para um tom mais caricato e haja um excesso de piadas no roteiro, quando todos os elementos se alinham e funcionam, o riso é garantido.
A diretora e co-roteirista Susana Garcia já é experiente no ramo de comédias que funcionam bem em tela grande, usando essa experiência para construir uma narrativa que fala de um Brasil pouco representado e o contrasta com um Rio de Janeiro de mentira mostrado pela televisão. As piadas entre irmãs que mostram o abismo entre o mundo delas é bastante representativo do descolamento que o eixo Rio-SP tem de diversas outras regiões, e vê-lo personificado em tela é divertido. Colocar também um pouco das ambiguidades das mulheres da faixa dos 40 anos também é colocada de maneira irreverente e ainda assim reflexiva, pensando tanto na invisibilidade das mães quanto no julgamento das mulheres com outras escolhas de vida.
É claro que há defeitos, como o excesso de piadas em momentos ou uma edição quadrada e muito ligada à televisão, mas que não funciona tão bem em telas grandes. Mas ainda há um grande potencial de diversão para toda a família, da maneira que as comédias brasileiras sempre se apresentaram. E, como a amante de gatos que o nome deste site já coloca, também é ótimo ver bichanos bem representados no cinema.
A distribuição está sendo realizada pela Paris Filmes. Verifique as sessões na sua cidade.
Mamonas Assassinas - O Impossível Não Existe (Edson Spinello, 2023)
Após um ano com diversos lançamentos nacionais, é interessante que a última semana dele esteja com mais dois filmes brasileiros lançados. E Mamonas Assassinas é daqueles projetos que estava acontecendo há tanto tempo que é uma coincidência feliz que finalmente esteja sendo lançado. Se você passou as últimas décadas embaixo de uma concha e não sabe quem foram os Mamonas Assassinas, eles foram um grupo de rock de muito sucesso nos anos 1990, com hits como Robocop Gay e Chopis Centis, mas que faleceram no auge da sua fama em um acidente de avião. O maior orgulho de Guarulhos só pôde aproveitar a fama por um período muito curto de tempo, mas deixou um grande legado de fãs de seu único álbum.

Pensando no aniversário de 20 anos de seu falecimento, a rede Record iniciou a produção de uma série que deveria ser exibida em 2016. No entanto, o projeto sofreu tanto financeiramente quanto por represálias das famílias, que criticavam uma ficcionalização extrema dos acontecimentos. Após um tempo engavetado, ele retorna sob nova produção e direção, tomando o cuidado de dialogar com as famílias dos Mamonas e em compreender as pessoas por trás das personalidades.
O legado deixado pela banda é inegável, tanto pela musicalidade quanto pela maneira de se apresentar em palcos. Este elemento marcante é o melhor representado na obra, com as atuações de todos os membros sendo belamente realizadas e não se limitando a uma mímica, mas captando o espírito de irreverência e amizade presente. Principalmente na atuação de Ruy Brissac como Dinho, percebe-se uma profunda empatia com quem está sendo representado, e isso ressoa em cenas emocionantes e nostálgicas para qualquer pessoa nascida nos anos 1990. Mesmo Beto Hinoto, sobrinho de Bento e talvez o ator menos experiente do grupo, consegue manter a qualidade e a imersão nos personagens. O mesmo se aplica ao trabalho realizado com o som do filme, que gravou todas as músicas novamente, pensando em uma mixagem mais moderna. Sabe-se que o resultado, cantado e tocado pelos atores, se tornará um novo produto lançado no mercado.
Porém, para um olho mais treinado é difícil ignorar as falhas da obra, por mais que ela apresente um carisma gigantesco. A montagem é um dos primeiros elementos a saltar aos olhos, com a continuidade sendo comprometida em diversas cenas e distraindo o espectador a todo momento. O mesmo ocorre com a quebra de narrativa de diversos momentos, tornando a ordem dos fatos confusa e algumas pontas ficando absolutamente soltas, como em relação a Bárbara (Jessica Córes). Se em um primeiro momento parece que o filme está inflado pela quantidade de personagens e isso o prejudica, isso provavelmente advém de as gravações também servirem para a montagem de uma série, que esperamos que desenvolva melhor esses arcos narrativos confusos.
O mesmo acontece com a direção de arte, que poderia aproveitar o momento em que os anos 1990 estão em alta para dialogar melhor com o que acontecia no período, principalmente quanto aos figurinos femininos, que parecem releituras modernas do que existia no período. Após explicado que muitos dos figurinos masculinos foram cedidos pelas famílias e pertenciam aos membros da banda, se torna claro porque eles parecem muito mais adequados.
As personagens femininas são a maior problemática da obra, talvez por muitas delas serem mais criadas para a ficção do que terem sido pessoas reais. Talvez sem querer, o roteiro e a direção aos poucos vilanizam todas as mulheres existentes na vida dos rapazes - da namorada sedutora com os irmãos até Adriana (Fefe Schneider), a mulher que quase faz com que Dinho saia da banda. Novamente, isso pode ser resultado de uma edição apressada que simplifica demais as tramas que serão traçadas na série, mas apenas com o material presente no longa-metragem, há a impressão de que são personagens de suporte narrativo sem nenhuma função a não ser enaltecer como os garotos eram bonzinhos.
Entre erros e acertos, é possível se emocionar na mesma medida em que se irrita. Os altos e baixos são muito presentes, chegando a uma mistura de nostalgia com incompreensão se a equipe técnica simplesmente parou a sua mentalidade nos anos 1990.
A distribuição está sendo realizada pela Imagem Filmes. Verifique as sessões na sua cidade.
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