Wish: O Poder dos Desejos (Fawn Veerasnthorn e Chris Buck, EUA, 2023)
Texto por Jean Werneck
Com mais uma esquecível princesa, Disney usa a autorreferência para mascarar a falta de criatividade.
Tudo que Asha (Ariana DeBose) deseja é ser a aprendiz do Rei Magnífico (Chris Pine) para realizar o sonho de seu avô (Victor Garber) no aniversário de 100 anos dele. O que ela não sabe é que seu reino está sob grande ameaça e cabe a ela pedir a ajuda de uma estrela mágica para salvá-los. Wish: O Poder dos Desejos vem como celebração dos 100 anos do estúdio, utilizando as mais variadas referências para fazer uma retrospectiva de sua história. Além disso, o longa apresenta a décima sétima Princesa Disney com todos os requisitos necessários para integrar o seleto grupo. Ainda assim, a animação consegue ser uma das mais genéricas já feitas por ser desprovida da tradicional magia Disney.

Tudo no longa é reciclado do que já foi explorado pelo estúdio até então. Os amigos de Asha são uma releitura quase idêntica dos sete anões de Branca de Neve e os Sete Anõss (1937), o Rei Magnífico se assemelha ao traiçoeiro e narcisista Hans de Frozen (2013) e o bode de estimação - um dos personagens mais chatos já criados - tenta reproduzir o carismático dragão Mushu de Mulan (1998). Dados tantos elementos retirados de outras produções, Wish: O Poder dos Desejos não tem qualquer autoralidade ou elemento original em sua construção individual. Nem mesmo a tentativa de trazer um novo formato de animação, que fica entre o 3D e o 2D, é positivo, pois perde a riqueza de detalhes e quebra o conceito visual do estúdio sem convicção alguma. Para fechar o combo, as músicas foram dubladas com rimas vazias e letras confusas que serão esquecidas logo mais, ficando distantes de hits já trazidos por animações musicais do gênero.
Lamentavelmente, Wish - título original mais curto e menos autoexplicativo do que o traduzido para o português - é mais uma vítima da crise de produtividade que a casa do Mickey Mouse tem passado. O problema que vem acontecendo com as animações Disney é a demanda desleal de poduzir de três a quatro filmes por ano com uma cobrança surreal sobre a equipe técnica. Algo que também afeta as animações da Pixar, os filmes de super-heróis da Marvel e as produções com selo de Star Wars da Lucasfilm - todas produtoras adquiridas por essa companhia hegemônica nos últimos anos que vem minando diferentes fontes do entretenimento com seu modelo deturpado de fazer cinema. Esses problemas trazem nomes como Chris Buck, diretor do duo de filmes Frozen, assinando outras obras sem personalidade como Wish: O Poder dos Desejos. Dois trabalhos completamente distintos em qualidade operados pelo mesmo realizador.
Somos influenciados a pensar que toda a autorreferência é um orgulho da trajetória que trouxe o estúdio até aqui, entretanto soa mais como uma muleta narrativa para justificar um bloqueio criativo.
O filme está sendo distribuído no Brasil pela Disney. Consulte as sessões na sua cidade.
Dogman (Luc Besson, França, 2023)
Texto por Jean Werneck
Com uivos caninos e diálogos mordazes, Luc Besson dirige Caleb Landry Jones em uma interpretação primorosa.
Depois de ser preso pela polícia por um crime misterioso, Doug (Caleb Landry Jones) se rende a um processo de cura interna com a ajuda de seus cachorros e de uma psiquiatra (Jojo T Gibbs). O mergulho em um personagem moralmente dúbio e psicologicamente problemático é um arquétipo que tem crescido no cinema - dado o sucesso de histórias de origem de vilões como Coringa (2019) ou Cruella (2021) - com performances viscerais dos atores. Contudo, fora essa tendência de estilo narrativo, o que resta para fazer de Dogman um filme singular?

A premissa do longa é uma das mais curiosas do ano, não apenas por se tratar de um homem de meia idade que encontra sua família em dezenas de cachorros fiéis ou por ele se disfarçar para cantar a noite enquanto comete furtos na surdina, mas também por propor um retrato completo de um protagonista multifacetado. Essa multiplicidade se estende para os gêneros cinematográficos abordados no filme e tenta englobar todos os tons do personagem-título. O primeiro ato é semelhante ao clássico O Silêncio dos Inocentes (1991) ao trazer debates assertivos entre Doug e a psiquiatra Evelyn, enquanto desfia as questões sociais vividas pelos dois em seus respectivos contextos. Logo depois da pegada de terror, somos introduzidos a uma atmosfera dramática mais densa com um roteiro que revela gradativamente os detalhes da história. Até chegarmos ao thriller do desfecho. Essa variação de gêneros do roteiro prejudica a construção da identidade de Dogman como obra e o faz capotar por tentar acoplar diversos estilos para ser fora da curva.
Ademais, não há nenhuma outra característica que o diferencie tecnicamente de outros filmes dessa tendência. A edição de som é como um rosnado em nossos ouvidos para que fiquemos atentos, e se une a fotografia que usa e abusa das cores do ambiente para expressar a vulnerabilidade de Doug ao mesmo tempo em que traz sua ferocidade. São elementos um tanto quanto interessantes. Entretanto, a montagem, que segue o formato básico de ir e vir cronologicamente no enredo através das memórias, a trilha sonora, recheada de músicas carimbadas, e a semiótica, um tanto quanto óbvia na cena final ao colocar o personagem crucificado na sombra de uma cruz por conta do fim redentivo, caem em significados pouco surpreendentes no efeito que o audiovisual tem sob o espectador. Não é insatisfatório, mas também não sacia.
O grande acerto de Dogaman está no comprometimento de Caleb Landry Jones em seu papel, com números musicais e uma linguagem corporal impecável. Já um de seus grandes erros, é a forma como pincela sobre fé tão superficialmente para encontrar resgate através da criação de Deus - representada pelos seus cachorros - para o purgatório que é sua existência. Ouço os latidos da direção de Luc Besson, mas não entendo nada alem de um mesmo “au au”.
O filme está sendo distribuído no Brasil pela Diamond Films. Consulte as sessões na sua cidade.
Priscilla (Sofia Coppola, EUA, 2023)
Texto por Jean Werneck
Nos tons pastéis da direção de Sofia Coppola, Priscilla Presley é a esposa-troféu perfeita de Elvis.
Elvis Presley (Jacob Elordi) era o símbolo sexual desejado por toda mulher entre a década de 1950 a1970. Ao conhecê-lo durante seu ensino médio, a entediante vida de Priscilla (Cailee Spaeny) ganha sentido e ela se torna a namorada do rei do rock. Tudo é um sonho de princesa, até não ser mais. Sofia Coppola é conhecida por dar destaque a personagens femininas com feminilidade e independência. Alguns exemplos são a releitura de O Estranho que Nós Amamos e o marcante As Virgens Suicidas. Contudo, ao adaptar o livro Elvis e Eu para seu novo filme, a diretora deixa ambíguo o que é crítica e o que é reprodução da trajetória da personagem-título.

Elvis, longa de Baz Luhrmann lançado em 2022, acompanha a vida do cantor com uma direção cheia de sacolejo. Tudo vibra e pulsa pelo protagonista. Um ano depois, sai a cinebiografia de Priscilla Presley assinada por Sofia Coppola. Não à toa, muitos comentam que a obra de Coppola funciona como uma resposta à obra de Luhrmann. Ao contrário deste, Priscilla tem uma paleta de cores pastéis e melancólicas e traz Cailee Spaeny em uma performance completamente apática da personagem. De fato, o estilo da realizadora está impresso nesses detalhes e em seu modo delicado e misterioso de filmar cada cena. Entretanto, a delonga no período submisso de Priscilla em relação a Elvis e falta de juízo de valor da direção sobre determinados acontecimentos nos deixa a perguntar se Coppola está romantizando ou discutindo a posição que a protagonista foi colocada por anos em uma sociedade machista e heteronormativa da época. Claro, se você já conhece a filmografia dela, responderá que Sofia discorda desse tipo de representação. Já se você é um espectador exclusivo de Priscilla, há margem para dúvidas.
A desconfiança sobre qual teor do olhar de Sofia Coppola sobre a personalidade retratada pode ser respondida com o terceiro ato do filme. A resposta de Priscilla para Elvis sobre o motivo de finalmente deixá-lo é: "Está me perdendo para minha própria vida”. A frase de impacto faz parecer que o processo de emancipação dela foi firme e bem elaborado, mas a montagem picotada e o tempo de tela para cada período do relacionamento do casal foi mal dosado. O roteiro se delonga muito mais em uma Priscilla Presley com dependência emocional de Elvis do que na construção de sua identidade sem ele. Essa desproporção da narrativa foi herdada da obra original e prova que o processo de adaptação cinematográfica feito por Sofia deixa a desejar em autenticidade.
Priscilla é o tipo de filme que não é possível fazer uma análise imediata após sair da sala de cinema e isso mostra parte da complexidade do filme. Contudo, esse sentimento difuso pós-sessão não some e ainda deixa em aberto: quem seria Priscilla Presley sem o Presley?
O filme está sendo distribuído no Brasil pela O2 Play. Consulte as sessões na sua cidade.
Priscilla (Sofia Coppola, EUA, 2023)
Texto por Carol Ballan
O ano de 2023 foi um ano bastante estranho para as biografias em filmes da América do Norte. Com o lançamento quase em seguida de Maestro e Priscilla, percebe-se uma tendência em retratar a vida de homens poderosos através das mulheres que os suportaram - um tropo complicado, mas que pode fazer sentido a partir de como é retratado.

Priscilla (Cailee Spaeny) conta a história da personagem a partir do momento em que ela conhece Elvis Presley (Jacob Elordi) enquanto ele estava fazendo trabalho militar obrigatório na Alemanha Ocidental, e ela estava acompanhando o trabalho do pai. É criado um laço afetivo estranho dada a diferença de idades, ela com 14 anos e ele com 24. Quando ele retorna para os EUA, o relacionamento acaba persistindo e ela, sob consentimento dos pais, se muda de volta para ficar com ele em Graceland. O que ela talvez não esperasse é que de volta ao solo estadunidense, ela passaria muito tempo sozinha na casa gigantesca, e que sua vida passaria a apenas gravitar ao redor do cantor.
Se soa semelhante ao Maestro, essa não é uma mera coincidência, ainda mais ao considerarmos o contexto histórico das situações, no qual era comum mulheres se tornarem donas de casa, ainda mais com maridos que sozinhos eram capazes de sustentar uma família. Mas, em uma contrapartida a Elvis (Baz Luhrmann, 2022), é mostrado o pior ângulo desse relacionamento, com a garota frequentemente sendo deixada sozinha ou sendo ameaçada. Ele funciona muito bem como resposta particular a uma aura criada ao redor de uma pessoa pública, mas como obra audiovisual, há muitos elementos que não se encaixam.
O primeiro é a falta de um elo forte no casal principal que justifique a relação levada por mais de 10 anos. Se para Priscilla existe o fator de encantamento, principalmente para uma jovem imatura, a contrapartida de Elvis para a relação é muito pequena. Mesmo nas cenas em que estão juntos, há uma estranheza e falta de intimidade que faz sentido para as cenas iniciais, mas que não se sustenta quando passos maiores são tomados. Se isso ocorreu propositalmente, isso deixa incerto o motivo de tamanhas mudanças de vida, enquanto se não foi intencional decorre de uma atuação e direção confusas, mais focadas em que os personagens se assemelham fisicamente à realidade do que em explorar os seus subtextos.
A ambientação de época, por sua vez, é incrível. Desde o formato de unhas até o caimento de roupas, todo o departamento de arte teve bastante trabalho, ainda que algumas decisões criativas sejam questionáveis, como a atualização das maquiagens, mas não das exageradas perucas. Em questão de outro elemento essencial à obra, a trilha sonora, o trabalho realizado para contornar a falta de permissão da família Presley acabou funcionando muito bem para a obra, tanto mostrando o quanto de influência Elvis teve na música contemporânea quanto colocando a figura de Priscilla um pouco alienada daquela figura pública que ele se mostrava em apresentações.
As marcas de autoria de Coppola estão presentes na obra, mas a falta de uma aprofundação das personagens deixa com a impressão de que nunca se passa da camada superficial de leitura. Ao invés de se aproveitar a situação complexa e real para trazer uma discussão ainda muito válida atualmente, o tempo de tela não é bem utilizado.
A distribuição está sendo realizada pela O2 Play. Verifique a programação na sua cidade.
Patos! (Benjamin Renner e Guylo Homsy, EUA, 2023)
Texto por Carol Ballan
Em uma atitude ousada de lançar um filme no mesmo fim de semana que a rival Disney, a Illumination aproveitou as férias de verão estadunidenses para lançar sua nova animação, Patos!. A surpresa está no fato deste lançamento, o 14º do estúdio, ter mais potencial do que do maior estúdio de animação em seu 100º aniversário.
E o segredo do estúdio não é inventar grandes fórmulas revolucionárias ou técnicas de animação inovadoras, mas sim fazer o simples muito bem feito. Pega-se um animal, o pato, e uma de suas características, ser migratório. Para criar um conflito, adicionamos Mack (Sérgio Stern), o pato pai de família que decidiu ficar apenas em uma lagoa, dadas as boas condições encontradas nela o ano todo. Infelizmente (para ele) a bolha da lagoa não pode permanecer intacta para sempre. Então, junto com sua esposa aventureira Pam (Priscila Amorim), filho animado Dax (Sam Vileti), filha fofíssima Gwen (Melinda Saide) e tio mau-humorado Dan (Ary Fontoura), a família parte em uma grande aventura chamada: migração.
Obviamente há sub-aventuras para causar os pontos altos e baixos do filme, mas a essência é realmente tão simples assim. A execução, que conta com animação interessante mas não excepcional, depende de conseguir entreter os espectadores para funcionar. E, mesmo com essa simplicidade em uma época em que muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, eles conseguem criar uma narrativa atemporal (claro, há carros - mas nenhum sinal de celulares) e com personagens divertidos.
Apesar da técnica de animação não ser inovadora, ela é muito bem realizada, o que ajuda a manter a imersão. Dos diferentes tipos de vôos de pássaros até a compreensão do que é necessário para a improvável aerodinâmica de um pato, percebe-se o esforço em refletir como criar os movimentos e texturas. Novamente, o simples, mas muito bem executado.
O humor advém das características de cada ave: a estranheza da garça (Claudia Raia), o jeito urbano e grosseiro de uma pomba de Nova York (Dany Suzuki), e até das dinâmicas internas da família. Ele é inocente, e agrada por fazer rir de maneira leve e pouco complexa. Ele ganha força ao não tentar parecer mais do que uma simples história de patos, e funciona perfeitamente para o público infanto-juvenil por trazer uma jornada de amadurecimento e entendimento entre pais e filhos.
Entre músicas cantadas através de grasnados de patos até o curta-metragem de animação que antecede o filme (realmente colocando a competição com a Disney em foco), a Illumination mostra que todos os detalhes foram pensados para trazer uma excelente experiência cinematográfica. Ao ver uma sala cheia saindo do cinema satisfeita, percebe-se que eles conseguiram seguir pelo caminho correto.
A distribuição está sendo realizada pela Universal Pictures. Verifique a programação na sua cidade.
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