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Los Silencios: A ilha de conversão dos silenciados

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Atenção: essa crítica contém spoilers


Durante essa semana, muitas das diretoras abordadas foram mulheres já com longas carreiras e diversas produções. Beatriz Seigner vem para renovar essa seleção, representando uma linhagem de diretoras de carreira mais recente, mas que vem se consagrando através das exibições de seus filmes em festivais. Seu primeiro longa-metragem, Bollywood Dream- O sonho Bollywoodiano estreou em 2010, sendo Los Silencios sua segunda direção – e já com estreia na Semana dos Realizadores do Festival de Cannes. É interessante ainda notar que os dois projetos foram coproduções brasileiras com outros países (no primeiro caso, a Índia, e no segundo, França.

Refletindo inicialmente sobre a parte técnica do filme, fica claro desde a primeira sequência, de mãe e filhos chegando na ilha, que haverá competência técnica. A fotografia consegue enquadrar a ilha criada para o filme de maneira extremamente bela, de modo que praticamente cada quadro do longa parece uma pintura por si só. Há, no geral, muitos planos abertos que trazem a sensação de que se espia uma realidade na qual não se está completamente inserido, o que faz muito sentido quando se percebemos que nessa ilha fantasmas e vivos coabitam. Ao mesmo tempo, quando se tem esses enquadramentos amplos, há uma sensação maior de um coletivismo, que parece ser um dos princípios essenciais desse local, ainda que sua destruição seja um dos assuntos abordados na obra.

O som se coloca como essencial, fato quase irônico comparado ao título que remete ao silêncio. Muitas soluções são dadas através de representações sonoras, como as demonstrações dos conflitos armados, algo que ajuda o filme focar nos sobreviventes aos conflitos ao invés de simplesmente na violência. Os sons da natureza, também ouvidos desde o primeiro momento, ajudam a ambientar a trama regionalmente, e leves efeitos de distorção dão indícios da temática dos fantasmas antes de se descobrir sobre sua existência.

E, se tratando de referenciar mulheres nessa semana, vale a pena comentar que além da direção e roteiro que são assinados por Seigner, o filme também conta com direção de fotografia, direção de arte e montagem assinados por mulheres, além de coprodução e codireção de elenco onde uma das participantes era mulher. Nesse último setor, a direção de elenco, a execução é primordial: trabalhando tanto com atores quanto não atores, o resultado obtido foi realmente convincente, e não uma caricatura de moradores da fronteira que facilmente poderia ocorrer. Além disso, a cena na qual os já falecidos falam sobre os pontos necessários para o encerramento com vivos mostra pessoas que passaram por situações de conflito falando sobre a realidade por eles vivida, o que traz uma visão quase documental dentro da ficção criada.



O resultado acaba sendo uma obra ao mesmo tempo realista e onírica, de uma maneira que é quase impossível de acreditar que as duas coisas se encaixem. Há ainda o comentário político sobre a situação das regiões de fronteira, sobre a falta de acolhimento dos Estados que leva a situações extremas como o isolamento, sobre as tentativas de expulsão dos moradores, como ocorre no filme, para construção de novos empreendimentos, e até sobre a falta de união entre os países da América Latina, a começar pela simples barreira da língua. Mas é também um filme sobre as lutas e o luto necessários para continuar existindo em um mundo indiferente à sua situação.

Com a semana dedicada às diretoras já quase terminando, essa escolha de filme se mostrou bastante oportuna, mostrando algumas das possibilidades que o cinema brasileiro pode abraçar em suas próximas produções, tanto pensando em termos de financiamento e coprodução quanto em questões de narrativa e experimentação de estrutura. E que, além de tudo, seja um cinema encabeçado principalmente por mulheres - algo digno de nota para se pensar nesses novos caminhos.

1 comentário

1 Comment


Tay Teister
Tay Teister
Mar 06, 2021

Amei o texto!!

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