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Não! Não olhe! (Jordan Peele, 2022)

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Quando o longa-metragem Corra! (2017) foi lançado, o público rapidamente foi às salas de cinema buscando o encontro entre a comédia, gênero pelo qual o até então ator Jordan Peele era conhecido, com o terror, gênero escolhido para seu primeiro trabalho como diretor e roteirista. O filme foi um grande sucesso de público e crítica, já demonstrando a competência e controle que Peele teria como diretor ao mesmo tempo em que colocava temáticas que foram muito importantes em toda a sua carreira, como raça e as suas interseções com o terror da vida real. Desde então ele participou de diversos projetos em diversas funções, mostrando sua eficiência narrativa em séries como Além da Imaginação e o seu segundo longa-metragem, Nós (2019). Sempre deixando claro o quanto a raça era importante para todos os seus projetos, ele teve oportunidades de explorar suas próprias habilidades e outros gêneros, como a ficção científica.


O diretor chega então ao seu novo longa-metragem Não! Não olhe! (2022), cujo nome em inglês, Nope, não foi traduzido diretamente e não demonstra a simplicidade de apenas “Não” (tradução livre). Com materiais de divulgação que indicavam a ficção científica e que não deixavam clara exatamente qual seria a trama, as expectativas de seu agora assíduo público foram elevadas. E, novamente, Peele entrega um filme ao mesmo tempo emocionante e assustador.


Talvez haja um choque inicial para quem espera um horror psicológico como Corra, ou até um estranhamento na falta de enfoque em questões raciais, ainda que elas estejam bastante presentes. O uso dos elementos da ficção científica por conta da ameaça que vem do céu somados aos do faroeste (o gênero mais estadunidense possível) são aparentes a partir do trailer, mas são utilizados pelo talentoso diretor para criar uma espécie de esconde-esconde com os temas que ele coloca - sendo o luto e a sociedade do espetáculo os principais deles. Da citação da tela inicial ao uso do entretenimento dentro do entretenimento com a série “Gordy’s Home”, criada dentro do universo do longa-metragem, todos os elementos apontam para a crítica do crescente papel do espetáculo na vida dos espectadores. Se no filme temos a obsessão de um repórter pela sua câmera, na vida real temos a crescente cobrança de todas as profissões pela criação de conteúdos digitais para captação de clientes. E o luto do personagem principal pelo falecimento de seu pai e essa jornada de superação acompanhado de sua irmã geram um vínculo com a audiência, ainda mais após uma pandemia com tantas mortes repentinas.


O sucesso em criar um filme que entretém ao mesmo tempo que critica só se torna possível através da criação de bons personagens que ganham vida graças às excelentes atuações. Daniel Kaluuya se destaca representando OJ, o protagonista de poucas palavras e uma grande conexão com cavalos e que vive intensamente o luto pelo seu pai. Keke Palmer representa sua irmã Emerald, elétrica, vivaz, e que cria com Kaluuya um vínculo extremamente verossímil. Steven Yeun, que representa Ricky, o sobrevivente da tragédia da série Gordy’s e que tem um parque de diversões nela inspirado, também merece destaque por seu papel. Brincando com a convenção audiovisual de ter um personagem totem, Peele cria nele um totem asiático, e a demonstração ao mesmo tempo de inocência e autoconfiança demonstradas ajudam a criar mais essa camada crítica.


Como já dito anteriormente, o filme tem diversas camadas e diversas leituras. Se as mais óbvias estão na espetacularização e no luto, há outras com brincadeiras de convenção de gênero como o personagem totem, o O.V.N.I. no formato clássico de disco, o personagem fanático por aliens. Há ainda mais elementos, como a crueldade com animais, o tratamento dado a Hollywood para seus prestadores de serviço e até o diretor de fotografia também fanático. É apenas através do roteiro muito bem organizado de Peele que todas essas camadas conseguem aparecer sem se tornar inócuas. As principais críticas negativas que o filme vem recebendo são relativas à quantidade de assuntos abordados, sendo que algumas vezes eles são apenas pincelados. Mas, tirando o melhor proveito de todos os quadros e diálogos, Peele consegue criar diversas discussões - um dos principais compromissos de um bom filme com a sua platéia.

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