Quando se pensa no cinema francês, uma das primeiras imagens evocadas nos espectadores é da elegância e inovação do movimento nouvelle vague. Mesmo hoje, mais de 50 anos após o movimento, seus ecos permanecem até no cinema hollywoodiano e comercial, como em filmes de Martin Scorsese e Quentin Tarantino. Quando um filme como O Segredo de Madeleine Collins é lançado em 2021, toda a cinefilia francesa é memorada, juntando forma e conteúdo de maneira inesperada.
Antoine Barraud, diretor e corroteirista do longa-metragem, aproveita o enredo e fotografia para homenagear um dos grandes diretores da história do cinema - e reverenciado por Truffaut e parte da mesma nouvelle vague francesa - Alfred Hitchcock. Seguimos a história de Judith, uma mulher que vive uma vida dupla com um marido e filhos na França e outro marido e uma filha na Suíça, e se na primeira metade do filme começamos a compreender essa duplicidade, mesmo essa certeza desmorona quando seus segredos começam a ser revelados, com o que parecia ser um drama familiar de adultério ganhando formas de suspense.
A semelhança com Um Corpo Que Cai não é somente narrativa, como o enredo já deixa claro. Com a fotografia que lembra também o diretor, e até mesmo o excelente casting de Virginie Efira rememorando Kim Novak com seus cabelos loiros, é impossível não pensar no duplo de Madeline e Judy. Felizmente, o filme ganha vida própria ao trazer modernidades e uma reviravolta bastante diferente.
Uma das principais diferenças é o papel da própria Judith em relação ao drama pelo qual passa, gerando para Virginie Efira um papel ousado e complexo, mas que a atriz consegue realizar perfeitamente, principalmente a partir do momento em que seu segredo é revelado. Todos os papéis de apoio também são interpretados de maneira eficaz, mas exigem menos profundidade que a protagonista, que além da interpretação usual necessita também da interpretação da personagem em sua segunda vida. A cena inicial da obra também funciona dentro dessa homenagem, sendo um plano longo e quase em sequência que só é explicado na parte final do filme, mas que se distancia do homenageado exatamente quando se compreende o ocorrido.
Por conta do plot twist atrevido, o ritmo do filme fica um pouco prejudicado, com os primeiros dois terços sendo mais lentos, de apresentação do universo e suas relações pouco usuais, e sua parte final sendo acelerada para poder finalizar a trama de maneira satisfatória. Assim, o final acaba se tornando um pouco abrupto dado o detalhamento dos outros momentos da obra, ao mesmo tempo em que o ritmo crescente também ajuda na construção da tensão.
É um resultado feliz para Barraud, que já dirigiu mais de 10 filmes e conseguiu com este chegar a um público mais amplo. O diretor conseguiu utilizar fatores chave para homenagear o mestre do cinema Hitchcock sem com isso criar uma obra sem identidade própria, um equilíbrio que muitos diretores mais experientes às vezes não conseguem encontrar.
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