Continuando com as críticas de filmes de países colegas da América Latina, O Visitante é um filme que, apesar de boliviano, poderia facilmente se passar no Brasil. Dirigido por Martín Boulocq, é contada a história de Humberto, um homem que saiu recentemente da prisão e busca se reconectar com sua filha Aleida, que agora vive na casa dos avós, sendo seu avô um homem muito influente em uma Igreja Evangélica local.

Um primeiro ponto de proximidade com a situação brasileira está na posição da pessoa recém-saída da prisão. Com um sistema carcerário que não está focado na reabilitação e reinserção do indivíduo, ao sair das grades as perspectivas em geral são até piores do que antes de cumprir sua pena. No longa-metragem, temos Humberto praticamente em um não-lugar: não consegue se conectar muito bem com sua família e amigos que seguiram com as vidas, apesar de ser um excelente cantor só consegue trabalhar cantando em funerais, e permanece preso em uma imobilidade socioeconômica. É necessário dinheiro para poder voltar a ter a guarda da filha. Para fazer dinheiro, não basta o trabalho como cantor - e logo ele segue para a informalidade e ilegalidade, completando um ciclo difícil de se quebrar.
O segundo elemento não poderia deixar de ser a força das Igrejas Evangélicas nos dois países, mas de uma maneira em que a fé é secundária ao objetivo principal de se ganhar dinheiro. Cenas como as expulsões de demônio, batismo ou até mesmo cultos que ficam na linha tênue entre alegre e tenso claramente poderiam estar em qualquer produção do nosso país. Aqui, o que torna a obra interessante é poder mostrar a trajetória de Eleida nesse assunto, dado que ela tem fé, mas como adolescente contestadora, está começando a perceber as qualidades e defeitos daqueles à sua volta, enxergando mais qualidades humanizadoras em seu pai e menos no seu avô.
E o traço que deixa claro que este é um filme latinoamericano é o fato de todas as relações estarem baseadas em laços extremamente paternalistas, principalmente no que se referem a Humberto e seus sogros. Sua mãe, por exemplo, parece trabalhar como empregada doméstica na casa dos sogros, chegando ao absurdo da neta não chamar a avó carinhosamente, mas simplesmente pelo seu nome. O avô, Carlos, apesar de parecer mais simpático ao perdão profetizado em sua Igreja, aos poucos se mostra tão envolvido nos jogos de poder quanto qualquer outro personagem, não perdendo nenhuma oportunidade de humilhar o genro.
Assim, essa jornada de reconexão de Humberto é realmente bem explorada pelo roteiro cheio de camadas, devidamente premiado em Tribeca. Questões técnicas são resolvidas de maneira prática para contar a história o mais eficientemente o possível, havendo certo destaque para a fotografia que utiliza a luz e enquadramentos de maneira poética, como nos planos de Humberto cantando em funerais ou a bela cena de pai e filha com as luzes da cidade desfocada ao fundo.
Apesar de alguns mistérios permanecerem no ar, podendo incomodar um espectador mais acostumado a um cinema menos hermético, ele se destaca exatamente através da poesia. E para o público brasileiro que o verá na Mostra, certamente irá ressonar de maneira bastante direta.
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