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Restos do Vento (Tiago Guedes, 2022)

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

O cinema português é muito pouco assistido pelo público brasileiro, isso podendo ser causado por questões de distribuição ou até pela barreira linguística, já que não estamos acostumados ao sotaque português. No entanto, quando uma obra consegue atravessar a bolha, esse é um bom sinal de que o espectador será agraciado com uma obra interessante.


Nos primeiros minutos de Restos do Vento, o impacto visual já é inebriante. Com um prólogo que mostra um ritual sendo realizado em uma pequena cidade e dando bastante errado, a fotografia se destaca ao fazer um jogo de busca pelo rosto dos personagens, que estão todos encapuzados. Através dos figurinos e palavras utilizadas no ritual, assim como os hábitos dos realizadores, também há uma clareza nos valores daqueles que o estão realizando, como uma masculinidade machista compulsória e um clima de cidade pequena, no qual todas as pessoas se conhecem.


Ao fim desse ritual, somos apresentados à situação adulta desses personagens, que seguiram suas vidas e agora são pais, mães, e continuam vizinhos. Vamos conhecendo aos poucos seus traços de personalidade e trejeitos, com uma exposição um pouco alongada de como funciona a rotina da vila. Desde jovens que aproveitam uma obra abandonada como espaço livre do olhar de adultos até a situação de Laureano, que parece ser o único personagem que não se desenvolveu com o tempo, continuando estigmatizado como o louco da região, apesar de haver uma mudança nos comportamentos por causa de uma revolução tecnológica global, parece que pouco mudou de fato nas relações entre os locais.


A grande qualidade da obra é conseguir brincar com as expectativas dos espectadores através de um excelente domínio de gêneros cinematográficos. No início, o espectador pode acreditar estar vendo um filme de horror folclórico, chegando a um meio mais voltado ao drama familiar e finalmente chegando ao seu ápice com uma narrativa de mistério, focada em encontrar quem é o autor de um crime ocorrido. Se a obra não tivesse a qualidade narrativa e visual que é apresentada, isso provavelmente se tornaria uma grande mistura imiscível - mas felizmente ele cria uma unidade desde seu prólogo e que é mantida pela direção e equipes técnicas até o final.


Outro elemento trabalhado de maneira surpreendente é o uso de personagens quase invisíveis, mas sempre presentes na narrativa: os cachorros e o vento. Os cachorros são os melhores amigos de Laureano, e exatamente por isso vilanizados pelos locais, sendo acusados de qualquer que seja o problema no local. No entanto, é possível vê-los em quase todas as cenas convivendo tranquilamente com humanos, sendo agressivos apenas quando ameaçados. O outro elemento é o vento, que não apenas ocupa o título do filme e se relaciona com o ritual do prólogo, mas se mostra através do desenho de som e da fotografia da obra.


A mensagem passada sobre traumas geracionais e o fato de jovens precisarem lidar com o que ocorreu antes mesmo de eles pensarem em ser concebidos é bastante atual e importante em um país como o Brasil, no qual ainda há pessoas pedindo pela volta da ditadura. Mais do que isso, fala-se sobre a exclusão do indivíduo não-normativo, e sobre as consequências que isso gera em perpetuar um ciclo de abuso nada saudável - algo que o público brasileiro também poderia escutar atentamente.

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