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Tár (Todd Field, 2023)

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

Quando uma personagem consegue atravessar as telas do cinema e causar uma reação tão forte na plateia que parte dela se questiona se estava assistindo uma cinebiografia, e mais do que isso, quer descobrir exatamente o que aconteceu, este é um bom sinal sobre a tridimensionalidade criada. É um trabalho excelente entre o diretor e roteirista Todd Field junto à brilhante atriz Cate Blanchett gerando uma coesão interna da obra e um nível de complexidade que levam o espectador a confundir o que está vendo com a realidade.


Em qualquer curso de cinema uma das comparações mais clássicas sobre o trabalho da direção é equiparar seu trabalho ao de um maestro. A partir de uma base (roteiro/partitura), se coordenam diversas camadas (setores como fotografia, arte/instrumento) ao longo do tempo para criar uma nova interpretação. É provocante que Field escolha essa carreira específica para Lydia Tár, ainda mais considerando a discussão sobre separação do autor de sua obra que é proposta em cena e que reflete o espírito do tempo da atualidade. E além de retratá-la como a maestro que recusa o título de maestrina, ainda que faça parte de duas minorias, mostrar as consequências de utilizar a estrutura de poder existente é o choque que cria a conexão do espectador com a obra.


Ainda no campo do estudo de cinema, é impossível ignorar este filme com a crítica que Martin Scorsese fez sobre ele - pode-se gostar ou não do diretor, mas é inegável que ele seja uma sumidade no assunto. Ao comentar sobre a capacidade de alterar tempo e espaço de um modo que apenas o cinema pode fazer, ele jogou um holofote em duas questões: a própria arte e a mobilidade que apenas a contemporaneidade apresenta e que permite que se embarque na confusão espiral que a obra cria, e que reflete o próprio estado mental de Lydia. Se ela começa o filme com simpatia e admiração por todos os seus feitos, os frames finais são apenas a consagração de sua jornada.


A escolha de Cate Blanchett como Tár foi uma decisão que tornou o filme grandioso. Além da capacidade de atuação incrível e densa, que permite a dualidade necessária ao papel, sua própria estrutura física e caracterização trabalham a favor da narrativa, principalmente através da androginia que a coloca como par dos colegas homens. O uso de roupas, cabelo e maquiagem que ressaltam essa característica ao invés de tentar escondê-la é uma boa decisão, mas não se pode ignorar a entrega da atriz ao papel, reaprendendo piano e aprendendo tanto alemão quanto condução de orquestras para naturalizar ainda mais a atuação.


Questões de fotografia também se destacam no auxílio do roteiro. Um dos elementos utilizados é o contraste entre Lydia e o que está acontecendo ao seu redor, com momentos extremamente iluminados no qual ela está vestida de preto, ou momentos de escuridão nos quais a cor de sua pele e cabelos são ressaltados. É criada uma sensação de isolamento da realidade que apenas reflete o que está ocorrendo com a personagem. Neste sentido, também são utilizadas cenas nas quais Lydia aparece tanto refletida quanto se olhando em espelhos, criando um duplo que dialoga exatamente com a separação entre artista e obra que se propaga por toda a narrativa.


A despeito do filme ter uma duração bastante longa e focada em apenas uma personagem central, ele realiza perfeitamente o que se propõe a fazer, de colocar o espectador em contato com a figura potente e dúbia de Lydia Tár e embarcá-lo em sua jornada que nem sempre é agradável.

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