Outros filmes
Ao final dessa longa saga com mais de 40 filmes em 10 dias, é normal que alguns dos filmes assistidos acabem não recebendo uma postagem completa para eles. Como não queria deixar que eles passassem em branco, trouxe breves comentários escritos.
Under the Volcano (Polônia, 2024)
Título Original: Pod wulkanem
Direção: Damian Kocur
Roteiro: Damian Kocur e Marta Konarzewska
Elenco principal: Sofia Berezovska, Roman Lutskyi, Anastasiya Karpenko, Fedir Pugachov, Nelson Morales Alsonso e Isaac Awah
Duração: 105 minutos
Sendo um dos poucos filmes do festival esse ano a tratar da guerra na Ucrânia e em meio aos protestos sobre a exibição de um documentário que supostamente (porque eu não assisti) normaliza a situação de guerra ao humanizar os soldados russos, Under the Volcano trata de uma família ucraniana que ficou presa fora do país ao sair de férias exatamente na época em que o país era atacado. Assim, seguimos todos os seus processos de luto à distância, tentando ajudar os que ficaram lá ao mesmo tempo em que simplesmente sobrevivem a estar em outro país de forma mais permanente.

O filme captura muito bem o tempo, com cenas longas e agonizantes que colocam o espectador como coadjuvante à história, se perguntando sobre quais são os próximos passos possíveis. Falando sobre assuntos pertinentes sem muita preocupação em estar politicamente correto, ele traz novas perspectivas a quem nunca teve seu país envolvido em tamanho conflito. Em compensação, por vezes o filme parece se esquecer qual é a história que está contando para dar atenção excessiva a tramas paralelas, o que enfraquece um pouco sua ideia central. Então, com longas cenas que também se desviam do seu foco central, parecem que são dados grandes passos para se contar sobre algo mais, mas isso nunca se desenvolve completamente.
A maior decepção relacionada à obra foi a conversa com o diretor depois do filme, que pareceu pouco receptivo à plateia e às perguntas realizadas, respondendo brevemente e tentando enrolar em suas respostas. O filme é o candidato da Polônia à categoria de filme estrangeiro no Oscar.
U Are the Universe (Ucrânia, 2024)
Título Original: U Are the Universe
Direção: Pavlo Ostrikov
Roteiro: Pavlo Ostrikov
Elenco principal: Volodymyr Kravchuk
Duração: 90 minutos
Em compensação, o filme realmente ucraniano que estava no festival foi uma grata surpresa para a fã de sci-fi e traz uma temática parecida, ainda que completamente extrapolada, a Under the Volcano. Andriy é o último ser humano a existir, pois descobre que a Terra simplesmente foi detonada enquanto ele cumpria uma missão espacial. Então, em uma comédia dramática de enclausuramento que brinca com referências como 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Perdido em Marte (2015) é feita uma obra reflexiva sobre o que é não ter uma casa para se voltar.

Mesmo com um baixo orçamento que não permitia uma infinidade de efeitos especiais, o filme tem resoluções práticas e funcionais para toda a tecnologia que necessita. E, por mais que seja um filme com pouquíssimos personagens, reflete um sentimento intrinsecamente humano de busca por outras pessoas que se sintam da mesma maneira que nós.
O filme também nos ajuda a lembrar que, em tempos difíceis, a arte é uma das válvulas de escape da realidade, e que mesmo em tempos de guerra os artistas continuam criando. Resta-nos saber o que acontecerá com a Ucrânia nos próximos meses e esperar uma resolução do conflito para podermos assistir a uma nova obra do diretor.
Rumours (Canadá, Alemanha, Hungria e EUA, 2024)
Título Original: Rumours
Direção: Evan Johnson, Galen Johnson e Guy Maddin
Roteiro: Evan Johnson
Elenco principal: Cate Blanchett, Rolando Ravello, Charles Dance, Nikki Amuka-Bird, Roy Dupuis, Denis Ménochet, Takehiro Hira e Alicia Vikander
Duração: 103 minutos
Um caso em que a foto de divulgação do filme me convenceu a entrar na sessão mesmo sem nenhuma informação sobre ele, já foi uma grata surpresa ver um ótimo elenco em cena de uma obra que passou completamente despercebida pelo meu radar. Então, quando a obra se inicia e temos um G7 reunido para fazer absolutamente nada e a obra se torna uma grande paródia política com um cérebro gigante e zumbis, eu percebo que acharei o filme divertido, mas provavelmente o resto do mundo não tanto.

Assim, o filme acaba se tornando exatamente o que se imagina quando se compreende sua narrativa: uma grande zoeira do que seria esse grupo de líderes globais que se considera capaz de resolver qualquer crise existente. E que claramente é incapaz de fazer qualquer coisa, andando em círculos ao redor de suas idiossincrasias e relações pessoais.
Um 10 pela direção de arte que consegue alternar entre jantares chiques e elegantes e um cérebro gigante, infelizmente o mesmo não pode ser dito sobre o roteiro. Se perdendo um pouco na própria piada, ele acaba se referindo a coisas que apenas uma massa mais politizada da população poderá entender, perdendo justamente quem poderia achar mais graça do que se passa em tela.
Viet and Nam (Vietnã, Filipinas, Singapura, França, Países Baixos, Itália, Alemanha e EUA, 2024)
Título Original: Trong lòng đất
Direção: Minh Quy Truong
Roteiro: Minh Quy Truong
Elenco principal: Thanh Hai Pham, Duy Bao Dinh Dao, Thi Nga Nguyen e Viet Tung Le
Duração: 129 minutos
Também completamente inesperado foi o drama LGBTQIAPN+ vietnamita, que apesar de extremamente sofrido e dolorido não é simplesmente pelo fato de ter como protagonistas dois homens gays, mas sim a dificuldade que o país tem em se modernizar em pleno século XXI, ainda tendo muitas pessoas pobres em sua população.

O centro da narrativa é um mineiro que quer ir de contêiner para a Europa, mas antes de fazê-lo gostaria de encontrar algum resquício do corpo de seu pai para pacificar a mãe. Trazendo diversas camadas de problematização do presente e do passado vietnamitas, é falado sobre um povo que ainda luta muito para existir sem receber a atenção de nenhuma outra parte do mundo. Mas isso é feito através de mostrar as ações cotidianas das pessoas ao invés de mostrando relatos, o que lhes coloca em posição menos vitimizada. Conseguimos observar o desenrolar através de tradições misturadas com o desejo de mudança, mesmo que isso tenha feito com que o filme fosse banido em seu país de origem.
Assim, ainda que tenha um ritmo bem lento e uma fotografia um tanto escura, o filme é excelente para falar sobre os reflexos do colonialismo e da guerra para uma sociedade que ainda está em busca da compreensão sobre si própria.
Riff Raff (EUA, 2024)
Título Original: Riff Raff
Direção: Dito Montiel
Roteiro: John Pollono
Elenco principal: Ed Harris, Jennifer Coolidge, Gabrielle Union, Miles J. Harvey, Lewis Pullman, Emanuela Postacchini e Bill Murray
Duração: 103 minutos
Ainda que não seja exatamente o tipo de filme que costuma me interessar, a escolha das atrizes Jennifer Coolidge e Gabrielle Union me deixou curiosa para entender qual seria o andamento dessa comédia de ação. Assim, com a sinopse de um assassino de aluguel que largou a sua vida antiga para simplesmente viver em paz e acaba vendo os fantasmas de seu passado ressurgirem, me senti curiosa o suficiente para assistir o filme.

Foi impressionante perceber como o filme é estadunidense. Com cenas e referências específicas à região do Maine, só tive acesso a muitos dos significados após perguntar a uma amiga do país. Se baseando em clichês do gênero e não conseguindo acrescentar muito além disso, ele é um filme que talvez faça um sucesso específico no país, mas que é extremamente nichado ao público norte-americano. Seu ponto alto são realmente as atuações, com o timing cômico de Coolidge sendo essencial para as poucas risadas que dei.
M - Son of the Century (Itália e França, 2024)
Título Original: M. Il figlio del secolo
Direção: Joe Wright
Roteiro: Stefano Bises e Davide Serono baseados no livro de Antonio Scurati
Elenco principal: Luca Marinelli, Francesco Russo, Barbara Chichiarelli, Benedetta Cimatti, Frederico Majorada e Gaetano Bruno
Duração: 8 episódios
Outras sessões especiais que acontecem no TIFF são de séries que ainda vão estrear, e se no ano passado eu assisti à popular Toda Luz que Não Podemos Ver sobre a segunda guerra mundial, essa foi a vez do momento entre guerras com a ascensão do líder fascista Benito Mussolini.

Algo impressionante já nos primeiros minutos da exibição dos dois episódios é como o ritmo de edição é pensado para fazer com que espectadores entrem em um quase frenesi de informações sendo passadas. Entre uma boa atuação e trilha sonora futurista dos The Chemical Brothers, vamos conhecendo toda a trama política italiana naquele momento que permitiu a ascensão do homem que mudou a história do país no século XX.
Mesmo que a história que está sendo contada seja real, os ares são surreais devido à forma adotada pela série, normalmente mais ligada aos filmes do que à televisão. Luca Marinelli está extremamente assustador no papel que assume, mas entrega exatamente o horror que imaginaríamos ver. Sua mudança de postura em uma questão de dois episódios já é impressionante e deixa a curiosidade para como será sua continuação.
The Girl With the Needle (Dinamarca, Polônia e Suécia, 2024)
Título Original: Pigen med nålen
Direção: Magnus von Horn
Roteiro: Line Langebek Knudsen e Magnus von Horn
Elenco principal: Vic Carmen Sonne, Trine Dyrholm, Besir Zeciri, Ava Knox Martin, Joachim Fjelstrup, Tessa Hoder e Ari Alexander
Duração: 115 minutos
Este talvez seja o filme mais duro que eu assisti este ano, e sou uma pessoa que consegue lidar tranquilamente com coisas ruins acontecendo em uma tela de cinema. Aqui, é contada a história de uma garota que após o fim da primeira guerra, engravida de um homem que não tem coragem de assumir o filho e acaba realizando uma tentativa de aborto. Desolada, ela acaba conhecendo uma mulher que tem uma clínica de adoção clandestina que muda a sua vida.

Com uma fotografia desoladora, cheia de sombras e contrastes, e uma infinidade de sons agudos que constantemente nos lembram do choro de crianças, o filme cria algumas situações que são desesperadoras para qualquer pessoa com um pouco de humanidade. Apesar de ser inspirado em uma história real, é daquelas que apenas de lembrar fazem com que um arrepio passe pelo corpo da pessoa. Exatamente por isso, Magus von Horn vem lembrar a humanidade de seus momentos mais obscuros, mostrando o que somos capazes de fazer nos momentos de desespero e nos levando à memória. Se lembrarmos do quanto isso é ruim, talvez não se repita.
Assim, temos um filme que lembra até o neo realismo italiano em forma, apesar de ser completamente ficcionalizado, e que nos mostra o horror da guerra da mesma maneira que o anterior. Em um mundo no qual novamente estamos à beira de uma guerra generalizada, ele é uma mão apontando que esse caminho não deve ser seguido.
Daniela Forever (Espanha, EUA e Bélgica, 2024)
Título Original: Daniela Forever
Direção: Nacho Vigalondo
Roteiro: Nacho Vigalondo
Elenco principal: Henry Golding, Beatrice Grannò, Aura Garrido, Rubén Ochandiano, Nathalie Poza, Godeliv Van der Brandt e Frank Feys
Duração: 113 minutos
Toda pessoa que perdeu alguém com assuntos inacabados consegue entender o apelo de Daniela Forever. Nele, Nicolás entra em um teste de remédio para dormir que auxilia a ter sonhos lúcidos com a ex-namorada falecida. Só que ele não percebe que ele está moldando essa pessoa na sua mente a partir das memórias que tem da Daniela real, gerando uma grande confusão em um tratamento que na verdade deveria ajudá-lo a superar um trauma.

Entre uma ficção científica de alto conceito e um drama melodramático sobre perda e separação, sente-se que existe um bom filme escondido entre o que é produzido, mas a sua linha narrativa é tão confusa que é difícil enxergar exatamente onde ou como. É o típico filme que eu adoraria assistir novamente fora da correria de um festival para entender melhor sua lógica interna e se ele consegue ser coerente com o que ele mesmo cria.
Enquanto ele não for lançado comercialmente no Brasil, essa dúvida persistirá.
Harvest (Reino Unido, Alemanha, EUA, França e Grécia, 2024)
Título Original: Harvest
Direção: Athina Rachel Tsangari
Roteiro: Joslyn Barnes e Athina Rachel Tsangari baseados no livro de Jim Crace
Elenco principal: Harry Melling, Frank Dillane, Caleb Landry Jones, Rosy McEwen, Arinzé Kene, Mitchell Robertson, Grace Jabbari e Thalissa Teixeira
Duração: 131 minutos
Em um momento inespecífico do tempo, está acontecendo uma colheita seguida de festa e um breve descanso em uma vida de trabalhos braçais. Só que diversas coisas saem do esperado, como um incêndio, um homem fazendo um mapa e alguns invasores que podem ter entrado ali com uma bruxa. Mostrando uma visão menos romantizada da Idade Média na Inglaterra, este talvez seja o que o filme tem de mais interessante.

Tirando algumas cenas nas quais se passa visualmente a sensação do personagem de estar em comunhão com a natureza, o que resta é um drama procedural com uma fotografia linda e etérea, mas com o qual é muito difícil empatizar dada a distância tanto física quanto temporal que temos do personagem principal. Ao invés de focar no que a humanidade tem de contínuo e que não muda entre os séculos, escolhe-se um caminho de estranhamento que distancia o público da obra.
Bird (Reino Unido, EUA, França e Alemanha, 2024)
Título Original: Bird
Direção: Andrea Arnold
Roteiro: Andrea Arnold
Elenco principal: Nykiya Adams, Franz Rogowski, Barry Keoghan, Jason Buda, Jasmine Jobson e James Nelson-Joyce
Duração: 119 minutos
Como uma pessoa que gosta muito dos filmes anteriores de Andrea Arnold mas que assistiu este filme em uma de suas últimas sessões, cedo e talvez já não com o frescor do início do festival, prefiro resguardar meus comentários sobre a obra para quando tiver a oportunidade de revê-la. Em um primeiro momento, pareceu que aconteceu uma mudança muito súbita entre o realismo e o fantástico, e que o resto da obra era simplesmente um coming of age simples e sem grandes diferenças de tudo o que já foi realizado no gênero. Mas vou adorar rever e mudar de opinião
Superboys of Malegaon (Índia, 2024)
Título Original: Superboys of Malegaon
Direção: Reema Kagti
Roteiro: Varun Grover e Reema Kagti
Elenco principal: Adrah Gourav, Anuj Singh Duhan, Jagdish Rajpurohit, Ali Abbas, Shashank Arora e Saqib Ayub
Duração: 127 minutos
Poderia existir uma maneira melhor de encerrar um grande festival de cinema do que assistir um filme que mostra outro apaixonado por cinema? A resposta para essa pergunta sempre deve ser não. Contando a história de um cineasta indiano que cresceu apaixonado por Bollywood e desejou fazer os seus próprios filmes inspirados na comunidade local, o filme nos lembra que a arte é uma das melhores maneiras possíveis para superar os problemas da vida.

Com música e dança, cenas de ação propositalmente e maravilhosamente toscas, brincadeiras com estereótipos e diversas cenas gravadas no que deve ser um dos cinemas mais improvisados do mundo, o filme lembra a força que a sétima arte tem.
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