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Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Daniels, 2022)

Foto do escritor: Carol BallanCarol Ballan

AVISO: Essa crítica contém SPOILERS.


Para fazer um bom filme não é necessário, todas as vezes, reinventar a roda. Basta saber utilizá-la. Joseph Campbell (escritor estadunidense) em 1949 conseguiu ver a roda através da análise de mitologia comparativa e criou a sua Jornada do Herói, que desvenda a estrutura mais comum das histórias de grandes homens. Em 1992, Christopher E. Vogler (roteirista estadunidense) consegue fazer uma transposição dessa estrutura para uma das mídias mais populares do século, o cinema. E, enfim, em 2022 os Daniels, diretores do filme, conseguem repetir a façanha de encarar a roda por outro ângulo, trazendo um filme surpreendente e ao mesmo tempo completamente banal.


As doze etapas propostas por Vogler são muito conhecidas para quase todo estudante de audiovisual, sendo possível percebê-las em filmes que vão de Star Wars ao Mágico de Oz. Em Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo, Evelyn Wang é uma imigrante chinesa vivendo sua vida em um mundo comum (primeiro passo) aos espectadores, com problemas realistas e cotidianos como a contabilidade da lavanderia que tem com o marido Waymond e o medo de assumir a relação lésbica da filha Joy para o seu pai idoso. Quando ela vai à sede do Imposto de Renda para justificar algumas falhas contábeis, recebe seu chamado à aventura (segundo passo) na forma de Waymond Alfa, que explica que precisa dela para resolver uma situação multiversal. Rapidamente recusa o chamado (terceiro passo) pensando em toda a vida que precisa resolver naquele universo que habita.


Todos os outros passos sugeridos são fielmente seguidos, gerando uma estrutura de roteiro bastante clássica. Soma-se a isso o arco principal da narrativa de uma mulher de meia idade que passa por uma crise e a partir dela consegue resolver melhor os seus problemas. Então o quê justifica sua aprovação de 95% de crítica e 89% do público de acordo com as métricas do Rotten Tomatoes?


E a resposta é igualmente simples: o modo que os diretores, os Daniels, contam a história. O que poderia facilmente ser um drama familiar se transforma em uma comédia fantasiosa em um passe de mágica da edição e dos efeitos especiais. O que poderiam ser personagens antipáticos ou rasos se tornam multifacetados e adoráveis através da exploração de seus pontos fracos e fortes. Também do timing de escolher uma narrativa com um multiverso em uma época que o grande público já se familiarizou com o conceito (por conta dos acontecimentos da Marvel e séries como Dark, da Netflix) a detalhes simples, como a família de chineses emigrados que não fala inglês entre si, mas sim o chinês, são camadas que transformam o simples em gracioso.


Um dos principais acertos é o casting, que consegue juntar estrelas como Michelle Yeoh e Ke Huy Quan em tela ao mesmo tempo em que acena ao público com a escolha de Jamie Lee Curtis, a eterna final girl da franquia Halloween, como vilã. Stephanie Hsu, que se tornou popular ao grande público através das obras da Marvel, também consegue trazer as diversas camadas do vazio de amadurecer de forma impecável.


O que realmente rouba a cena é a camada de humor que é acrescentada a um assunto extremamente profundo, como acontece com uma grande parte das pessoas que o utiliza como mecanismo de defesa ao abordar suas fragilidades. Figurinos espalhafatosos, o momento ridículo necessário para acessar o multiverso e as infinitas possibilidades apresentadas de maneira simples (como o multiverso dos dedos de salsicha) unidos ao ritmo rápido de edição criam um efeito de que o que se está assistindo é bastante simples, quando na verdade traz uma das maiores discussões da humanidade.


Então, por baixo dessa camada superficial se esconde a preciosidade: se todos os dias existem milhares de escolhas que precisam ser feitas e que podem mudar a sua vida, qual é o propósito em seguir adiante? Devemos frivolamente aproveitar o nosso tempo e nos deixar levar pela maré das infinitas possibilidades? As respostas apresentadas no longa-metragem são muito poderosas, pois a perspectiva de que o amor vale a pena, e que o otimismo é uma arma perfeita contra a aleatoriedade da vida, são bastante profundas.

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